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PECADORES CONFESSOS...

domingo, 27 de junho de 2010

Cicatriz


Lembro do teu rosto
à luz de velas
lembro do teu gosto
no incessar dos dias
Afasto a lembrança tardia
das noites belas
que me destes
torço a lágrima caida
pela ferida
que me fizestes...


(imagem by Samara Assi -2008)

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sábado, 26 de junho de 2010

A proxima pecadora de Nelson Rodrigues...

Como sabemos, a obra de Nelson Rodrigues ultrapassa o universo teatral: ela inclui cronicas esportivas, contos, folhetins, romances. A nossa próxima pecadora rodriguiana vem de um romance chamado Asfalto Selvagem, publicado em 1959. Se voce não lembra desse nome, com certeza vai lembrar da personagem, quando assistir o filme abaixo (adaptação para a TV feita pela Rede Globo em 1995):





Aguardem...
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Para os breves...


O tempo é um sopro de vento
Um lugar nenhum
Um invento
Não sei que vida comum
Eu lamento
Se cada dia que passa
Minha voz embaraça
Com o tempo...

O tempo é um sopro de vento
Um súbito e frio sentimento
De todos os arrepios
que eu alimento
O único vazio
È o inverno arredio
do tempo...

O tempo é um sopro de vento
É o som do momento
da minha partida
E das muitas saídas
do meu pensamento
a única despedida
é a interminável ferida
do tempo.




p.s: Ontem, há um ano, morria Michael Jackson. O tempo voa, e me inspirou esse poema. R.I.P Michael...
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quinta-feira, 24 de junho de 2010

CLARISSA


Teresa a sonhar - Balthus (1938)

Tinha aqueles olhos de quem nunca sabia de nada. Olhos sem efeito. Tornavam cada manhã morna em noites de gelo. Nunca soube o que fazer com aqueles olhos. Clarissa tinha aquele jeito indiferente de que está nesta vida de passagem.
Mas quando dormia...ah, quanta vida! Quantos sonhos de oceanos e miragens! Clarissa passava pelos dias como as penas do travesseiro. Era só quando dormia, que vivia.
Uma vida sem aquela família que não pedira. Sem filhos pequenos. Sem um marido que não a satisfazia, sob nenhum aspecto. Paralisia. Torpor. Fracasso. Palavras que descreviam tão profundamente a vida de Clarissa que às vezes ela as sentia escapando da boca.
Mas calava-se. Lembrava sempre da sua mãe dizendo: “engravidou, tem que casar!”...ou então: “casou, tem que cuidar da casa!”. Clarissa sentia que não podia passar a vida sem ter que fazer alguma coisa que não queria. Não queria ter engravidado, nem casado, nem virado dona daquela casa horrorosa. Queria um monte de outras coisas que jamais teria. A não ser que dormisse.
O marido a ironizava, os filhos a atormentavam. Sua vida era um beco sujo, cinza e sem saída. Por isso, precisava dos comprimidos. Era aquela falta constante de sentido que não a deixava alternativa. Abrir os olhos doía demais. Precisava fazê-los fechar. Precisava ver cores, sons, alguma imagem de arco-íris. Os comprimidos pelo menos eram coloridos.
Tinha vários deles, na gaveta da cabeceira. Se o seu marido tinha serventia, era a de deixar sempre um jarro com água fresca sobre o criado-mudo. Tomava pelo menos dois de uma vez. Quando demorava a dormir, tomava mais. Não sabia exatamente quantos. O marido dizia que ela era hipocondríaca, que não era normal ela estar sempre com dor de cabeça. Mas para ela, a cabeça era tudo que tinha. Seus sonhos...sua vida. Ela só doía quando o peso da realidade a assombrava.
Numa noite que chovia de verdade, o marido tinha levados os monstrinhos para casa da mãe dele. Uma festa de alguém. Bolinho e velas. Estava tarde, mas Clarissa nem pensou em ligar. A noite estava perfeita, silenciosa, aconchegante. Sem aquele barulho interminável da TV. Sem brinquedos e roupas pelo chão. Sem sorrisos que não sorriam. O paraíso na Terra.

Quando pensou que nada mais podia dar errado, bateram na porta.
“Sra. Clarissa Martins?”
“Sim...”
Era a polícia. O carro tinha sido achado a dois quarteirões da casa. Parece que avançaram o sinal, bateram em cheio na lateral do motorista. O carro derrapou por vários metros, capotou. Infelizmente, as notícias não eram boas.
Clarissa sentiu os olhos frios congelarem. Sentiu um tremor pelas pernas que subia até a raiz dos cabelos. Um frenesi. Como era possível? Seu marido, seus filhos, sua família?
O policial sentia muito, muito mesmo a sua perda. Assegurou-lhe que tudo ficaria bem, que era assim mesmo. Entendia o seu estado de choque, como ela se sentia.
E Clarissa sentia...sentia...
“A senhora quer que eu ligue para alguém?”
“NÃO! Pelo amor de Deus!”
Estava livre! Finalmente, livre! Pra que encher a casa de gente?
Afinal de contas, depois de muito tempo, tinha a ela mesma só para si. Seus olhos se aqueceram imediatamente. Lágrimas se precipitaram como chuva em um súbito verão.
Quando fechou a porta, um enorme sorriso iluminou seu rosto.

(Claudinha Monteiro)

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domingo, 20 de junho de 2010

AS PECADORAS DE NELSON RODRIGUES (II)

nelsonrod

VESTIDO DE NOIVA – ALAÍDE, LUCIA, MME. CLESSI


Parecia ser a obsessão de Nelson Rodrigues procurar o exagero, a monstruosidade da natureza humana nas atitudes mais corriqueiras. O lado obscuro da trivialidade. Ele mesmo disse que consagrar o óbvio foi o grande legado da sua obra. E de fato, com o obvio ele expõe também a mesquinhez, o grotesco, o falso, e – porque não? – o atípico. E esta miscelanea de possibilidades é muito latente, sobretudo na construção rodriguiana dos personagens femininos.

Afinal, há algo mais clichê do que duas mulheres apaixonadas pelo mesmo homem? Ou ainda, mais folhetinesco do que duas irmãs que se odeiam, porque amam o mesmo homem? Este é o argumento inicial de Vestido de Noiva (1943), segunda incursão de Nelson Rodrigues na dramaturgia e considerada, até hoje, o ponto zero do teatro moderno brasileiro. Vestido de Noiva é o Hamlet  de Nelson Rodrigues: em tragicidade, em complexidade, em favoritismo. É de longe, a peça preferida da crítica. E é, basicamente, um drama sobre o amor e a mulher.

Há três personagens femininas fundamentais na peça: Alaíde, a noiva de fato; Lúcia, a noiva de direito; e Clessi, a noiva do asfalto. Alaíde, jovem, impulsiva e voluntariosa, rouba o namorado da irmã Lúcia e casa-se com ele; Lúcia jura matá-la e tomar-lhe de volta o marido. Clessi é uma dama da noite, sofisticada e linda, que se apaixona por um garoto de dezessete anos. E aonde isso nos leva? Na cartilha de Rodrigues, à tragédia total.

Mas não pense que tudo é tão simples. A trama é desenvolvida de forma anacronica – ou seja, começa pelo fim. E começa antes mesmo do levantar das cortinas, com sons de um atropelamento. O cenário não ajuda a descomplicar o enredo. Vestido de Noiva introduziu no teatro brasileiro o que poderíamos chamar de um palco 3D – são três planos em desenvolvimento: realidade, alucinação e memória. O foco em cada um dos planos se alterna durante os três atos, com truques de iluminação. E é nesse estilo back and forth* que a historia dessas três mulheres nos é apresentada.

O principal entrelaçamento no destino destas três mulheres é a morte. O atropelamento que se ouve no inicio do drama é o de Alaíde. O plano da realidade é, essencialmente, a cirurgia a que Alaíde é submetida. O estado inconsciente de Alaíde desencadeia os outros dois planos. No plano da alucinação, Alaíde procura por Mme. Clessi, uma prostituta morta no inicio do século XX, para cuja casa a família de Alaíde se muda. Alaíde leu o seu diário, e se sentiu profundamente atraída pela personalidade sedutora daquela mulher, de tal forma que, quando está entre a vida e a morte, a sua memoria cronológica se mistura com as passagens do diário de Mme. Clessi. E é a sua conversa imaginária com Mme. Clessi que estimula a sua memoria e revela todos os acontecimentos que culminaram no seu atropelamento. Há sempre no ar a idéia de que Lucia possa ter cometido ou influenciado o acidente de Alaíde.

E o que mais une Alaíde, Lúcia e Clessi?

Podemos dizer – e esta é uma característica que encontraremos em muitas mulheres rodriguianas – que essas três mulheres possuem um grau de paixão desmedida – por si mesmas e pelo objeto de seus desejos – que é a base do seu pathos, a essencia da sua tragédia. Alaíde rouba o namorado de Lucia, consegue casar com ele, mas vive assombrada com a possibilidade de ser traida pela irmã e pior, ser assassinada por ela. A relação entre Alaíde e a finada Mme. Clessi sugere uma propensão ao pecado, uma crescente fascinação pelo carnal, pelo mistério. No seu estado de quase-morte, Alaíde confunde a historia de Mme. Clessi com a sua propria, coloca-se no lugar dela. É interessante notar que ambas sofrem uma morte violenta: Clessi é apunhalada no rosto pelo namorado adolescente; Alaíde sofre um atropelamento em circunstancias não esclarecidas. Ambas morrem desfiguradas: Clessi com um talho num rosto antes impecável; e Alaíde com os ossos da faces afundados. Desprovidas, portanto, da beleza, e do corpo.

Lucia, por outro lado, professa-se apaixonada irremediavelmente por Pedro, marido de Alaíde. O seu total despudor em dizê-lo se une a consciencia de que Pedro não presta, nem é digno de confiança. Depois do casamento, atiça o cunhado sem jamais consumar o adultério. Diz a ele que só se entregará quando ele se casar com ela, induzindo-o a planejar o assassinato da esposa. Depois da morte de Alaíde, Lucia se acovarda, impressionada com a promessa da irmã de que mesmo morta, não a deixaria casar com Pedro. É quando fica no ar a cumplicidade de Lucia no acidente que matou Alaíde. Lucia parece perplexa quando Pedro confessa que já tinha decidido matar a esposa, mas ele a acusa de planejar tudo junto com ele. “Só não pensamos no atropelamento”, ele diz (ato III). Acidente ou crime, Alaíde morre de forma conveniente, deixando o caminho livre para Pedro e Lucia.

Há ainda um ultimo ponto que notadamente une as tres mulheres: o vestido de noiva. Ele pertence a Alaíde, no inicio do primeiro ato; e à Lucia no final do terceiro ato. No desenvolvimento da trama, revela-se que Clessi foi sepultada vestida de noiva. E o que representa o vestido de noiva neste contexto criado por Rodrigues?

O vestido é a convenção, a pureza, o espírito dessas mulheres. É o sonho da consumação de um desejo, ou de um sentimento. O vestido pelo qual Alaíde traiu Lucia. O vestido pelo qual Lucia pensou em matar Alaíde. O vestido que confere a Clessi uma dignidade que ela não experimentou em vida – e que levou o unico amor de sua vida a assassiná-la. De certa maneira, enterrá-la com o vestido de noiva representa a consumação desse amor, uma cerimônia de casamento às avessas. O vestido representa a pureza do sentimento de Clessi pelo assassino, uma união que só podia se consumar na morte.

É importante notar que o caminho até a inocencia representada pelo vestido é muito tortuoso para essas mulheres. É a ironia rodriguiana que faz com que a pureza de um vestido de noiva contraste com a monstruosidade de uma traição, de um assassinato, e de um acidente mal-explicado. É o branco invariavelmente manchado de sangue. É a marcha nupcial se entrelaçando com a marcha fúnebre, exatamente como na ultima cena da peça.

Nelson Rodrigues constroi em Vestido de Noiva a sua obra-prima. Um texto intricado, complexo, em cima de um tema de folhetim. Um entrelaçamento de tres cenarios suspensos, iluminação acurada e sons incidentais. E um poderoso imbricamento entre três mulheres fortes, apaixonadas e por isso mesmo, trágicas, bem como assustadoramente proximas da nossa própria realidade.


* back and forth – para frente e para trás

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sábado, 19 de junho de 2010

PENÉLOPE



QUANDO ela acordou, já estava tudo acabado. Ainda havia flores sobre a cama, no chão, no armário. Ainda tinha vinho sobre o criado-mudo. Tudo ainda estava tão completamente quieto. Um perfeito ocaso de uma noite de sexo. Perfeitamente insuportável.

Ele ainda estava perto demais. Precisava se controlar. Tinha certeza de que era um bom homem, talvez o melhor que ela pudesse encontrar, ou merecer. Mas o vazio era imenso. Era um enorme estomago, contorcido em úlceras e faminto. No meio de noites como essa, ele sangrava como nunca. E no início das manhãs, continuava sangrando, como sempre.

Era triste, mas tinha fome de tudo. Tinha esse jeito torto de gostar, e gostava muito, mas não sabia bem do que. Da vida, talvez. De beber demais, comer demais, de sair correndo para o meio da rua, e sentir a chuva e sol no rosto. Mas por mais que tentasse, não conseguia gostar dele.

Era a calmaria. A rotina. O embaraço. Era o passar de dias que se arrastavam, e a noite talvez uma surpresinha, uma tacinha, uma dancinha – depois a cama à luz de velas e uma manhã pacífica silenciosa. Como a morte.

E ela queria mais. Queria tudo, e mais forte, mais intenso. Queria as mãos pesadas do outro. O seu cheiro de briga. A sua coragem. Era sempre o fogo. O sol. Era um piscar de olhos marejados e boca seca, sedenta. E quando via...não via. Nem tinha tempo de se sentir culpada.

Manhãs como essa pareciam eternas. Ele não acordava. Não saía para trabalhar. Nunca. É desesperadamente frustrante esperar para ter sua vida de volta. Agora estava apenas num compasso interminável de espera.

Só podia imaginar o outro. Ah, é quase cruel pensar naquele corpo! Queria fugir para aquele corpo. Queria se prender naquele corpo. E os beijos...bem, era melhor não pensar nos beijos por enquanto.

Melhor esperar ele sair. Mas, que inferno!

“Mmmmm...que?”

Não se deu conta que tinha falado alto.

“Penélope?”

Parecia um sinal. A divina ou a diabólica providência se compadecendo dela.

“Nada. Não disse nada.”

“Que horas são?”

Um sorriso queimou nos seus lábios.

“É tarde. Vamos, querido, hora de levantar!”

E saiu, como um foguete, para fazer o café.


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sexta-feira, 18 de junho de 2010

UMA PRECE...

...IN MEMORIAN


JOSÉ SARAMAGO
1922 - 2010

may the road rise to meet you
may the wind be ever at your back
may the sun shine warm upon your face
and the rain fall soft upon your fields
and until we meet again
may the Lord hold you
ever in the palm of His hand...


ou TRADUZINDO...

Que o destino levante-se ao te encontrar
Que o vento sopre sempre ao seu redor
Que o sol brilhe e esquente o seu rosto
E que a chuva caia sempre nos seus campos
E até que nos encontremos de novo
Que o Senhor sempre o conduza
pela palma da Sua mão...


P.S.> essa é uma prece irlandesa e muito antiga, sempre me toca o coração quando a ouço, achei que era perfeita para me despedir de um poeta...

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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Lembranças...


Quase não penso naqueles olhos
Nem lembro mais daqueles dias
Quando chegavas, e quando partias

Eu quase não sentia aqueles beijos
Quase não me tremia o corpo
Não me tentava o desejo...

E quando eu vejo, eu tento

Quase não pensar naquele tempo
Passou-se muito mais que amor
Tudo mais se foi, menos o que ficou

E é tudo tão intenso que
Quase não penso mais em você
Quase...


Claudinha Monteiro

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terça-feira, 15 de junho de 2010

Mais Nelson Rodrigues: Eu adoro essa peça...

Esta será a proxima peça cujos pecados vamos confessar no blog:


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domingo, 13 de junho de 2010

ROSA

Rosa era esperta. Gostava de andar de bicicleta, de pular corda. Gostava de clipes, apliques, repiques. Gostava de rir, de dançar, de balançar os cabelos e pintar os lábios de vermelho. E gostava muito, mas muito mesmo, de meninos.

As professoras diziam que ela tinha cabelo nas ventas – seja lá o que fosse isso. Mais uma dessas coisas que só pais, professores, e avós dizem. Não tinha muita paciencia com eles. Mas tinha mesmo muita energia. Que que tem isso? Porque tinha que se cercar de bonecos, chocolates e figurinhas, fazer furos no meio da laranja, testar as mãos nas amiguinhas, se podia simplesmente escolher um menino? Nunca entendeu o talento das pessoas de complicar tanto as coisas mais simples. E tinha uma raiva danada, muito grande mesmo, dessa historia de que tem hora certa pra tudo.

Achava isso uma enorme, grandississima palhaçada!

Afinal, ela já tinha catorze anos! Que diabo! Porque podia aprender a ler, varrer a casa, cozinhar, andar de salto, e não podia beijar, abraçar, tocar… qual era o problema afinal?

Aparentemente, ela era muito jovem pra isso. Essa era a resposta brilhante que se repetia na boca dos mais velhos. Mas que grande besteira!

Hoje Rosa ia provar que podia ser o que quisesse, quando quisesse.

Foi para escola equipada: salto, batom, acessorios. Quando passava nos corredores, todos os meninos torciam os pescoços, todas as meninas torciam o nariz. Sim, era isso que ela queria. “Falem bem, ou falem mal, mas falem de mim”.

Quando chegou na sala, o circo estava armado: olhos arregalados, gente falando alto, e o pobre do professor tentando desesperadamente acalmar a turma. Tadinho. Meio que bonito, mas enrolado que nem língua de bêbado. Nem se ouvia a voz dele. Também ele nem precisou falar por muito mais tempo.

Porque quando Rosa entrou, o pandemonio virou um velório. Silêncio total. A meninas não conseguiam acreditar na quantidade de maquiagem que ela tinha no rosto. Os meninos, no tamanho do busto, das pernas e do bumbum. Tinha conseguido o seu efeito. O efeito Rosa choque. Quem ia dizer que ela era uma criança agora?

Os quatro rapazes que a cercaram na saída do colégio não chamaram.

Tiraram todo o batom do seu rosto, levantaram seu vestido, e os acessórios foram pro espaço. Os gritos de Rosa eram agudos, como os de uma menina de doze anos. Ela tentou correr mas os saltos não deixaram. Ao sentir a mão de um dos rapazes no meio das sua coxas, pensou que talvez ela não soubesse mesmo o que fazer. Mas com o vestido levantado ate a cintura e um desconhecido abrindo suas pernas, essa descoberta não tinha mais tanta importancia.

E quando parecia mesmo que a sua vida de adulta ia começar bem cedo, o professor aloprado, que não conseguiu fazer a turma calar a boca, apareceu do nada e jogou cada um dos quatro meninos para um ponto cardeal diferente. E aí, bem…

Rosa se levantou do meio de algum lugar, conseguiu abaixar o vestido e dar um jeito no cabelo e caminhou devagar até o professor. Preocupado, ele quis saber se ela estava bem.

Rosa respirou fundo, lançou-lhe um olhar que era mais uma rajada de balas, e disse:

“Estava, seu idiota! Estava muito bem até voce chegar!”


(INSPIRADO EM "BONITINHA, MAS ORDINARIA", DE NELSON RODRIGUES)

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Esta frase inspirou todo o meu projeto de Mestrado...

Nelson Rodrigues
(1912-1980)

Na idade adulta endei escrevendo peças, romances, crônicas. Mas nem as peças eram dignas de Shakespeare, nem os romances dignos de um Proust. E a verdade, a lamentável verdade, é que eu não encontrava, em toda a minha biografia, nada que surpreendesse o Altíssimo e merecesse Seu espanto. Eis senão quando, de repente, baixa em mim uma luz genial. Alço a fronte e digo: – “Eu promovi, eu consagrei o óbvio!”. Aí está o grande feito de toda a minha vida. O óbvio vivia relegado a uma posiçao secundária ou nula. Fui eu que, com minha pertinácia, arranquei-o da obscuridade, da insignificância.

in: O Óbvio Ululante (1968)

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sábado, 12 de junho de 2010

AS PECADORAS DE NELSON RODRIGUES (I)



Lidia – A mulher sem pecado


A primeira mulher rodriguiana que discutiremos no blog é a menos conhecida das pecadoras de Nelson Rodrigues: trata-se da protagonista da peça de estréia do dramaturgo, cujo título inspirou de forma irônica o titulo deste blog: chamava-se A Mulher sem Pecado (1941). Usei essa peça de Rodrigues na minha dissertação de mestrado, para traçar um paralelo entre Lídia e a Desdêmona de Shakespeare. Conclui que apesar da disparidade de tempo e espaço, as duas tem muito em comum: são mulheres que pecam pecados diferentes, por razões semelhantes.

Por aí já podemos ter uma ideia de quem é Lídia, a  “Eva” de Rodrigues ou, segundo o crítico Sabato Magaldi, aquela que é o substrato de todas as futuras mulheres rodrigueanas (MAGALDI, 2000). Em A Mulher sem Pecado, temos inicialmente a história de uma mulher massacrada psicologicamente pelo marido paralítico, que está convencido de que ela o trai. Olégario, o marido, é um homem visivelmente atormentado, com um enorme complexo de superioridade e por isso mesmo, com uma profunda dificuldade em aceitar independencia, personalidade e auto-suficiencia de qualquer pessoa, sobretudo das mulheres. 

Claro que, em se tratando de Nelson Rodrigues, podemos esperar muito mais dos personagens e da trama em si. O cenário idealizado para a peça, sombrio e desiquilibrante, prepara a imaginação da platéia para o desarranjo emocional de Olegário, que passa o tempo tentando manipular a esposa, os empregados, e até a própria mãe que, não coincidentemente, passa os três atos da peça enlouquecida e em silêncio, sentada numa cadeira e enrolando um pequeno pedaço de pano. Olegário ouve vozes femininas, possivelmente de sua primeira esposa, já morta, e que o teria traído; ele também tem uma alucinação recorrente: em momentos de profundo stress com Lídia, Olegário vê uma menina num vestido curto, com uma expressão indefinida e parada sempre na mesma posição: em pé, com as mãos tapando o sexo.

“Você olha para mim com um olhar de mártir! Pois bem. Agora mesmo, neste minuto, você pode estar-se lembrando de um amigo, de um conhecido ou desconhecido. Até de um transeunte. Pode estar desejando uma aventura na vida. A vida da mulher honesta é tão vazia! E eu sei disso! Sei!” (Olegário para Lídia – ato I)

A partir desse ambiente, somos apresentados à Lídia, e suas inúmeras tentativas de apaziguar a desconfiança do marido. Lídia suporta os delírios de Olegário, e muitas vezes insiste em contradize-los, tornando a relação deles cada vez mais hostil.  O que percebemos imediatamente nas discussões de Lídia e Olegário é o obssessivo apelo erótico. A grande preocupação de Olegário é saber se Lídia se mantém casta, sem pensamentos nem sonhos sensuais e sem experiencias extra-conjugais. A impotencia fisica do marido de Lídia simboliza uma impotência sexual, uma incapacidade de se manter macho para a esposa. Essa incapacidade tem um efeito arrasador na visão que Olegario tem da mulher, que é bonita, vaidosa, mais jovem do que ele. Lídia, no entanto, embora preserve sua feminilidade, não busca conscientemente ser sensual, porque tenta cada vez mais exasperadamente salvar seu casamento.

Você não acha que seria negócio para você e para todas as mulheres? Que a fidelidade fosse uma virtude facultativa? A mulher seria fiel ou não, segundo as suas disposições de cada dia. Você com o direito – de ser infiel. Que beleza!(Olegário zomba de Lídia – ato I)

Olhando ainda mais de perto, vemos que Lídia, embora tente neutralizar as sandices de Olegário, é uma mulher com suas proprias necessidades. Novamente, o elemento sexual parece determinante na deterioração do casamento de Lídia e Olegário. Mesmo antes de se professar paralitico, Olegário e Lídia não mantinham uma vida sexual satisfatoria – ou pelo menos, não satisfatória o suficiente para Lídia. Olegário alegava que não podia ser sexualmente ousado com sua esposa, porque não seria respeitoso. Mas Lídia não concordava com isso, e a sua frustração nesse departamento de certa forma alimenta a paranóia de Olegário. Rodrigues trabalha as fantasias de Lídia, os segredos de Lídia, e o seu desejo latente para tornar a personagem ligeiramente ambígua aos olhos do espectador. Nesse sentido, um personagem que contribui massivamente na construção da dubiedade em Lídia é o chofer da família, o escorregadio Umberto, que enquanto trabalha para reforçar cada vez mais as suspeitas do patrão, tenta a todo custo seduzir a esposa de Olegário.

Quero saber de mim! Você não soube ser marido! Ainda hoje, eu quase não sei nada de amor. O que é que eu sei de amor? […] Sei tão pouco! Era melhor que não soubesse nada! […] As minhas amigas me contam coisas... E eu fico espantada, espantadíssima... Nem abro a minha boca, porque não convém... Eu sou uma esposa que não sabe nada, ou quase... No colégio interno, aprendi muito mais que no casamento. Parece incrível! (Lídia para Olegário – ato II)

A vida de Lídia se torna um inferno, e ela se vê numa encruzilhada ironica  - precisa escolher entre a constante opressão de um marido desiquilibrado, determinado a enlouqucê-la junto com ele; e uma relação com um homem atraente, mas um cafajeste típico. Se escolher o casamento,  estará condenada a uma vida doentia; se escolher o adultério, poderia se libertar da loucura do marido e ter uma vida sexual saudável. Rodrigues constroi para Lídia uma dúvida que vai de encontro ao conceito que a sociedade moderna tem de “pecado”.  O pecado de Lídia é ficar com o marido, ou ceder a perspectiva de ter um amante? Nesta trama, os pólos são inteligentemente invertidos, de tal maneira que a opção saudável para Lídia não é outra, senão trair.

Estou que não posso ouvir nada no meio da rua...Nem ver um nome feio desenhado no muro... […] Umberto me beijou! a mim! tua nora! e me disse um nome, uma palavra que me arrepiou... E ainda me arrepia! […] Meu marido mete na minha cabeça tudo o que não presta! O dia inteiro em cima de mim[…] Quando leio no jornal a palavra "seviciada" - eu fecho os olhos... (com volúpia) Queria que me seviciassem num lugar deserto... Muitos... […] Umberto me chamou de cínica e eu... Eu gostei... (baixo e aterrorizada) Quem sabe se eu não sou? Não! Não! Minhas palavras estão loucas, minhas palavras enlouqueceram!  Perdão! Perdão! (Lidia para a mãe de Olegário – ato III)

No fim, vence o instinto de sobrevivencia. Cansada da martirização de Olegário, Lídia resolve se transformar exatamente naquilo que ele mais teme, e vai embora com Umberto. Ela deixa um bilhete de despedida, que Olegário lê justamente na hora em que decide acreditar, de uma vez por todas, na fidelidade da esposa. É também no ultimo ato que descobrimos que Olegário nunca foi paralítico. Ele inventara a paralisia para testar a esposa, e perde o seu proprio jogo, porque acaba estimulando Lídia a cometer o adultério. No fechar das cortinas, Olegário está em pé com um revolver na mão, ficando implícito o seu suicídio. E com a morte  de Olegário, o adultério de Lídia se esvazia com a viuvez. Lidia se torna uma mulher sem pecado, sexualmente realizada e, finalmente, livre.

fonte citada: Magaldi, Sábato. Nelson Rodrigues: Dramaturgia e Encenações. Ed. Perspectiva, 2000.

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sábado, 5 de junho de 2010

ISABEL

Estudo de Mulher. Rodolpho Amoedo, 1884.


Em dias comuns, ela era triste, como os pés sem sapatos. Seus olhos escureciam e ela torcia as mãos frias enquanto olhava para lugar nenhum. Escorregava pelas paredes claras, pela mobilia cara, pela prataria. Girava pelo assoalho, os tapetes e as almofadas, até a porta da entrada que, naquele momento, não tinha intenção de abrir. Pela janela, os passos, os carros, as buzinas. A violencia sentida do tempo. Isabel tinha medo, muito medo de morrer cedo.
Tinha essa urgência firme, tão assustadora quanto a morte. Esperava sempre os raios e as trovoadas - queria sempre o movimento. Em dias comuns, tudo era muito simples. Tudo era rotina. O trabalho, o relógio, os vestidos. As manhãs, sempre plácidas, sempre cheia de certezas, tinham sempre muita luz. Isabel não gostava muito das manhãs.
Passava o dia inteiro esperando a noite cair. Era uma fã ardorosa de estrelas. São formas de luz muito discretas, tão pequenas e distantes e que escondem praticamente tudo. Isabel era um pouco assim. Só mostrava seu brilho no escuro.
No escuro. Quando nada mais se via, quando só se acendiam lampadas, estrelas e vagalumes, Isabel abria os olhos. Enxergava finalmente. Era quando sentia os espasmos, e tremia sem parar. Quando a abstinencia tomava conta de todos os poros e ela sabia que, então, tinha que levantar. Hora de chutar a poeira do guarda-vestido, de pintar a boca, as unhas, colocar os brincos. Hora da cinta-liga e dos espartilhos. Hora de por os saltos altos e sair.
No meio da rua, chamava-se Bela. Andava rápido e ria alto. Entrava e saia dos lugares, vivia cercada de gente, de vicios. Vivia cercada do mundo.
De dia, a contemplação. De noite, o desejo, uma imensa necessidade, um castigo. Era o sexo. Não podia ficar sem ele. Tinha que ser muito, e tinha que ser sempre. Nem precisavam pagar, mas ela era boa, e eles achavam justo. Não tinha prazer em negar nada à ninguém.
Bela era um apelido de infância que ela detestava. Era a mãe que a chamava desse jeito. Depois que ela sumiu, o apelido virou um fardo, uma obsessão. O pai passou a chamá-la assim, só para manter a presença da mãe em casa. Mas ela não estava ali porque não queria. Foi embora sem olhar para trás, e a deixou com o peso da ausencia nos ombros.
Isabel queria que Bela servisse para alguma coisa.  E então pensou que podia ser isso. De dia, havia apenas a lembrança da Bela que o pai melancolico e bebado só enxergava de longe; De noite, ela podia ser Bela, e ser feliz. De noite, Bela gritava, mordia, dançava, e fazia tudo de caso pensado, consentido. De noite, era a mudança, o inferno, o paraíso, o pecado. Isabel adorava o pecado.
Era uma pena que a noite era só um interlúdio, um espaço entre horas...
Porque de dia, quando tudo voltava a ser comum, Isabel fechava o corpo, os olhos,as portas e os armários, e botava sua vida para dormir.

(Claudinha Monteiro)

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No mês de aniversário, Mulheres que Pecam apresenta...



Imagem de Fundo: Purity, de Giuseppe Dangelico (a.k.a Pino)

...as pecadoras
de
Nelson Rodrigues

Aguardem...

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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Tango...

Imagem: Sueños de Tango (1999)
Maria Amaral

Era quente
Era frio
Era um instante no deserto
E não tinha ninguém por perto
Era só minha mente
os calafrios...

Era noite
Era dia
Era um tempo inusitado
Caía o corpo inebriado
Era como um açoite
a calmaria...

Era a morte
Era a vida
Era uma pausa, um hiato
E a chuva nos teus retratos
Era só um choro
de despedida.

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