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PECADORES CONFESSOS...

quinta-feira, 29 de julho de 2010

COMPARAÇÃO

images
pior que voce…
é ceder às coisas pequenas
o chão do quarto envelhecido
a chuva na janela, caindo…
pior é o medo, o inimigo
de toda luta e todo segredo
no meio dos versos, das cartas
agredindo as nossas palavras…

pior que voce…
é entender e sucumbir
à toda renuncia e todo castigo
pior é ouvir
o incomensurável silêncio
um rastro frio,
um fogo intenso
pior é a alma
inevitavelmente sumir.





Claudinha Monteiro
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domingo, 25 de julho de 2010

Tear


Quando penso em você
Penso em chuva ao entardecer
Ouço um som de riso triste
Um quê de não existe, não ser.

Quando penso em você
Penso em verso, distante,
Não sei dizer, é como um grito,
Impávido infinito, gigante.

Quando penso em você
Penso em areia entre os dedos
Vejo o mal que me fiz, o medo,
E se eu fui feliz, não lembro.


Claudinha Monteiro

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sábado, 24 de julho de 2010

Os monstros de Nelson Rodrigues

album-de-familia

“Eu não quis esquecer, eu não quis fugir, eu não tive medo nem vergonha de nada. Não botei meus filhos no mundo para dar a outra mulher!” (Senhorinha – ato III)


Album de Familia: uma tragédia em três atos foi a terceira incursão de Nelson Rodrigues pelo teatro, e talvez a mais polêmica. Foi encenada pela primeira vez em 1945, censurada em 1946 e só voltou a ser lida 19 anos depois. O motivo? Uma “rajada de monstros” espalhada pelo palco, como o próprio Nelson gostava de definir. A peça gira em torno de retratos da vida de uma família durante 26 anos, nem tanto contrapondo imagem e realidade, mas chocando pela perspectiva grotesca e surreal. É uma familia enquanto estrutura social, mas esta contrasta diretamente com a estrutura emocional de seus membros que, a rigor, não existe. Tudo é exacerbado, cru, quase dionisíaco – e absurdamente proposital.

Vamos focar, como não poderia deixar de ser, nos personagens femininos. Mas o nosso objetivo, de certa forma, vai de encontro ao desenvolvimento do texto rodrigueano – porque no nosso entender, grande parte da ação relaciona-se com a atração e a repulsa que os personagens femininos exercem sobre os masculinos. É um ambiente em que o corpo feminino protagoniza grande parte do conflito – sobretudo nas relações familiares em cheque. O corpo, o desejo, e o sexo são explorados pela intimidade da mulher – e de forma a se enxergar a natureza na sua forma rude, fundamental: macho e femea, instinto e cio.

Há três personagens femininas destacadas na trama de Album de Familia: a matriarca, D. Senhorinha, sua irmã Rute e sua filha, Gloria. O que se repara imediatamente é que Rute e Gloria tem relação direta com Senhorinha – e veremos que essa relação determina a construção emocional de ambas as personagens. Observa-se que a ação parte, basicamente, do comportamento da matriarca – e isso se confirma na primeira cena da peça, no primeiro retrato do album, que traz os recem-casados Senhorinha e Jonas. De acordo com as direções da peça, Senhorinha posa “com um riso falso e cretino”, enquanto o narrador exalta  “a timidez da jovem nubente”. A foto é tirada em 1900, logo após o casamento, quando Senhorinha tinha apenas 15 anos de idade – o que, mais adiante, prova ser uma bela inferência sobre as preferências sexuais de seu marido.

A inferência, também, é a de que Senhorinha, desde muito jovem, é dona de um cinismo calculado, e que a sua declarada timidez é um embuste, uma forma de conciliar a sua vaidade com o seu papel de esposa. Essa vaidade é uma característica determinante na personalidade da protagonista, e incita o ódio de Rute e Glória. Esse odio ganha um reforço, no mínimo, pouco ortodoxo, e é aí que começa a escalada da monstruosidade psiquica nos personagens de Rodrigues. O reforço, que íamos falando, reside no objeto de desejo de Rute e Glória, que é ninguem menos que Jonas, marido, cunhado e pai, nessa ordem.

É importante entender que Album de Familia é um exercicio – profundamente rustico – da teoria freudiana sobre o amor, aquela que fundamenta os famosos Complexos de Édipo e de Electra. Em outras palavras, o que temos na peça é a encenação da atração física fundamental, daquilo que, de acordo com Freud, é a primeira experiencia sexual de toda criança – a relação com os pais. Segundo Freud, as preferencias amorosas e/ou sexuais de um individuo (amor e sexo para Freud nem sempre andam juntos) dependem da forma como este individuo sublima – ou não – o seu desejo pela mãe ou pelo pai. Em Album de Família, tal sublimação não existe. Os personagens exercitam o amor, o odio e o desejo entre si.

De maneira que, enquanto Gloria deseja o pai (e este a deseja de volta), Senhorinha é profundamente atraída pelos três filhos: Guilherme, Edmundo e Nonô. E a ciranda do amor primitivo entre os personagens se complica ainda mais, quando percebemos que Guilherme é apaixonado pela irmã mais nova, e tenta a todo custo afastá-la do pai, a quem odeia. Senhorinha, por outro lado, considera a filha uma rival no amor de Guilherme, enquanto seduz Nonô e estimula a paixão de Edmundo por ela. E ainda temos Rute, na personificação clássica da inveja, aquela que culpa a irmã pela propria frustração, e pela profunda carência emocional. Rute e Jonas tem um relação de dependencia e humilhação: Jonas tirou a virgindade de Rute numa noite em que estava bebado, despertando uma paixão unilateral na cunhada, que passa a aliciar meninas pré-adolescentes para satisfazer a voracidade sexual do marido de Senhorinha.

As fotos do album de família vão se somando ao passar do tempo, o narrador cada vez mais sarcástico enxerga placidez e linearidade nas expressões visivelmente perturbadas dos personagens. Pais e filhos seguem desorientando as proprias psiques, deturpando suas emoções. Glória enxerga Jonas no quadro  de Nosso Senhor, numa alusão à reverencia da filha pelo pai; e ainda confessa que nunca gostou da mãe. Edmundo, por outro lado, diz que a mãe é uma santa, e sugere matar o pai para fugir com ela – o que o tornaria o típico Édipo sofocliano, não fosse a cumplicidade velada de Senhorinha no crime que não chega a acontecer. O ex-seminarista Guilherme sequestra Glória e tenta faze-la ir embora com ele, para longe do Todo-Poderoso Jonas. Electra, isto é, Gloria, não se deixa tocar pelo irmão e reafirma a sua fixação pelo pai.

O resultado desta interação peculiar é a trágedia aludida no titulo.  Nonô, após uma noite de sexo com a mãe, enlouquece: passa a andar nu e a agir como um macho em eterno cio, uivando e gritando pelos tres atos da peça; Após ser rejeitado, Guilherme mata Glória com dois tiros; Edmundo se mata, depois de ouvir da mãe que ela o traira com o irmão mais novo. Rute, cada vez mais amargurada e ressentida, vai embora sem destino certo.

Assim, fica a impressão que a maior influencia da peça é mesmo a matriarca da família. Senhorinha, com toda sua beleza madura, não consegue manter o desejo do marido, que procura em outras meninas a satisfação sexual que só teria com a propria filha. Na falta de uma figura romantica masculina, Senhorinha constroi uma obsessão sexual pelos filhos homens, e despreza completamente quem não lhe desperta o interesse erótico. Quando finalmente enfrenta Jonas, dispara: “Eu não quis esquecer, eu não quis fugir, eu não tive medo nem vergonha de nada. Não botei meus filhos no mundo para dar a outra mulher!” (ato III). E diz a Jonas que a ele, só deve os filhos homens que ele lhe deu. Ainda usando a teoria freudiana, diríamos que a fala de Senhorinha é a expressão de uma mulher movida por um “id” irrestrito. A ambientação da peça – Jonas é fazendeiro no interior – ajuda a compor a atmosfera rudimentar, o cheiro de mato, os animais, a simplicidade dos nativos, indicando talvez a falta de referencia civilizadora.

No entanto, o egocentrismo de Senhorinha é sugerido por Rodrigues desde o inicio. O comportamento dos outros personagens decai a medida que se deterioram os sentimentos entre eles – e todo esse processo inclui, de alguma maneira, a matriarca da família. A relação sexual com Senhorinha transforma Nonô na imagem da incivilidade; ao se descobrir traído (embora não saiba a identidade do amante), Jonas desperta sua pulsão sexual de forma anormal e vexatória, já que ele traz meninas para dentro de casa; provoca, com isso, o aumento do odio de seu filho Edmundo por ele; e afasta Guilherme e Glória de casa.

No final, Senhorinha mata Jonas durante o velorio de Gloria e Edmundo, e Jonas morre ao pés do caixão da filha. Senhorinha vai ao encontro de Nonô, segundo ela, para sempre. O Album de Familia de Nelson Rodrigues se fecha, e a sua femea fundamental desaparece, restaurando de maneira catartica a sanidade da plateia. É a tragédia restabelecendo o juízo de valor, a moral e o tabu dentro do seio da unidade social elementar. Freud explica?

Referencia ao livro:
FREUD, Sigmund. A Psicologia ao Amor. Penguin, 2000.
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terça-feira, 20 de julho de 2010

Aos meus amigos...




Amor que não se acaba
Amor que se iguala
em todos os momentos;
Amor que se contenta
com o seu intento
Do lado esquerdo não se separa…
Amor de presente
que ouve e que fala
Amor que resvala
nos poros da gente
Amor que se encontra
no meio da estrada
Amor que se aponta
sem medo, sem nada…
Amor que não trai
e nem se arrepende
Amor que se entende
com quem se chegar;
Amor que critica
e que comprimenta
amor que acalenta e
não sai do lugar.
Amor que é por amar
Sem inverno, sem sacrifício
É um amor que não beija
não encarna, não deseja
Amor que é um exercício
da propria delicadeza
Sua força, sua beleza
está na ausência do vício.


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sábado, 17 de julho de 2010

LUCIA

Mulher escrevendo carta (LINDO)
Quando eu tinha doze anos, meu pai me deixou andar de ônibus sozinha. Era uma distância pequena, mas a liberdade era grande. A maior que eu já tinha conseguido em casa. Nunca tinha me sentido tão dona de mim até então. Aos doze, independência era tudo e eu pensava – porque, na boa, eu não era mais criança, né?
Eu até já falava palavrão… desde os dez, na verdade. Mas nunca dentro de casa. Papai achava feio o baixo calão em boca de menina. Eu nunca dei a mínima, minhas amigas todas falavam. E eu nunca fui de levar desaforo para casa – assim, se você leva um coice, não vai mandar educadamente a pessoa lamber sabão. Eu, pelo menos, sempre preferi, com toda a educação, mandar a pessoa à merda…sabe, com uma enorme exclamação no final. É mais poderoso, é um recado que impõe respeito.
Mas eu falava do ônibus. Eu ia começar num curso de inglês às segundas e quartas. Então, quando chegou o domingo, nem dormi direito. Até escolhi a roupa que ia usar no dia seguinte, coisa que nunca faço. Nunca me antecipo, até hoje sou assim. Mas naquele dia estava ansiosa, apressada demais. Estranho...odiei me precipitar por toda a minha vida...mas nunca aos doze. Naquela idade tudo parecia estar tarde demais ou no máximo, mais do que na hora.
Escolhi a roupa que eu pensava combinar com minha grande estréia. Calça, blusa colando, saltos e tal. Impor respeito e chamar a atenção – não é o sonho de toda mulher? E sim, naquela véspera de inicio de semana, de liberdade, de independência, de vida, eu me sentia uma mulher feita. Crescida, que podia andar de ônibus sozinha, sem ninguém me seguindo por todo canto, indo me buscar. Eu pensava, dá um tempo, né? Ridículo meu pai me esperando na porta da escola todo dia! Todo mundo olhando, rindo de mim. Ninguém merece.
Mas aquilo, eu pensava, ia acabar.
Todos iam me ver como eu era: adulta. Eu estava me achando mesmo. Até me deitei cedo, para ver se o tempo passava mais rápido. Nunca torci tanto para segunda-feira chegar e eu ir logo para escola, para depois ir direto para o curso. SO-ZI-NHA.
Então, finalmente, o dia chegou. A mal-fadada, famigerada, maravilhosa, especial segunda-feira. Um dia que eu sabia que nunca iria esquecer. E não esqueci mesmo...
Para começar, perdi tempo demais na escola, me gabando com as meninas que eu ia ter que sair no horário para pegar o ônibus. E, lógico, perdi o ônibus. Levou quase vinte minutos para vir o outro. Resultado: cheguei no curso quando a aula já ia para metade. E ainda tive de andar um pouco mais depressa até o curso, porque o ponto onde eu tinha de saltar não era assim tão perto como era ir de carro. Resultado: cheguei suada, desarrumada, com a cara mais esbaforida do planeta, os olhos arregaladíssimos e pior, sem pintar! Acredita que eu tinha esquecido de passar o lápis?
Quando a aula acabou, eu fiquei na porta do curso gastando garganta, para que elas percebessem que eu iria sozinha para casa. Como eu previra, minhas novas amigas ficaram verdes. Mas quando elas foram embora, descobri que o ponto do meu ônibus não era na porta do curso como a carona do papai. Eu tinha que atravessar a rua e andar mais alguns metros para frente. Quando cheguei no ponto, havia um ônibus parado. Entrei.
Já estava sonhando como eu ia chegar em casa absoluta, contando para o meu pai como eu me comportei, me virei, andei, entrei e saí. Eu pensava que era um gênio mesmo, uma adolescente precoce, independente e sensacional. Sorria, pensando no orgulho que meu pai teria de mim. Então acordei de repente, e olhei pela janela.
Não reconheci uma casa, uma arvore, nem uma mosca sequer, num raio de dez metros. Percebi umas curvas enquanto sonhava mas, quando pensei melhor, entendi que havia mesmo curvas demais. Eu não morava tão longe assim.
Tinha pego o ônibus errado. Era a mesma cor, mas outra linha. Não era o ônibus que levava para minha casa. Pela primeira vez, senti um frio na barriga. Pior, senti que tinha feito uma merda enorme. Estava num lugar que eu não tinha a menor idéia e também não sabia como voltar. Pior, se eu conseguisse chegar em casa até o Natal, meu pai nunca, note bem, NUN-CA, iria me deixar sair sozinha de novo. Merda, merda, que MERDA...era só o que me passava pela cabeça.
Saltei do ônibus, num bairro qualquer. Já estava escurecendo, e eu estava perdida, de tudo: não sabia onde estava nem porque eu estava ali, muito menos como eu ia fazer o caminho de volta. E tudo por absoluta falta de atenção. Me achei o máximo, apareci para todas as minhas amigas e, no fim, cadê elas? Naquele buraco comigo é que não estavam, pensava. Tinha vontade de chorar, mas não podia. Eu pensava, sou adulta, sei o que eu estou fazendo. Posso resolver isso quando eu quiser.
Mas, depois de meia-hora naquele fim de mundo esperando um carro, um ônibus, um qualquer coisa com rodas – e NADA, eu chutei o balde. Finalmente pensei: não resolvo coisa nenhuma! Eu não sou adulta coisa nenhuma! Eu estou só, mas que merda é estar só. O que que eu vou fazer?
Só tinha dinheiro para o ônibus, táxi naquele momento era caro demais pra mim e, vamos combinar, naquele buraco não ia passar táxi nenhum mesmo. Pior, o ônibus que eu peguei não passava de volta nunca e pior ainda, tinha uma criatura mal-encarada, velha, banguela e do sexo masculino parada do outro lado da rua, me olhando. Resumindo: atalho, facilidade, nem pensar. Deixei tudo isso em casa, e mais: comodidade, conforto, bons conselhos, experiência. E pior, meu pai. Deixei meu pai em casa.
De repente, uma música. Conhecia aquele som de algum lugar. Parecia vir de dentro de mim. Algum som que eu gostava muito e que vibrava...na minha bolsa! Claro, mas que idiota!
Só lembrei do celular quando ele estava tocando. Era meu pai, claro. Fazia muito mais de hora que eu deveria estar em casa. E ele já tinha ligado varias vezes e para todas as minhas amigas. Ótimo, pensei, agora o mundo inteiro sabe que eu estou perdida por aí. E por que não atendi antes? Estava sonhando, pai. Quer dizer, pensando, desesperando, chorando. Quer dizer, eu ia te ligar agora mesmo, você leu meu pensamento?
Expliquei tudo e meu pai pediu para eu entrar em algum lugar movimentado. Entrei no único lugar com mais de uma pessoa – na verdade duas, além do cara no balcão. Ele pediu para eu perguntar onde eu estava para alguém. Pedi informação ao “barman” e passei tudo pro meu pai. Então ele disse que eu esperasse lá que ele iria me buscar.
Nunca fui tão independente. Nunca escolhi tanto como passar meu tempo. Nunca percorri distancias tão grandes, nem entrei em tantos caminhos – errados. Nunca me senti tão sozinha. Esquisita a liberdade, ás vezes. Acho que descobri que nada nunca é simples.
Tudo por causa de uma mal-fadada, fantástica, reveladora, assustadora segunda-feira. E o melhor é que, depois de tudo, eu acabei voltando para casa na carona do papai. Que mico.
Mas tudo bem. Como eu disse, aprendi muita coisa. Hoje, com treze anos, estou muito mais madura.

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domingo, 11 de julho de 2010

EXCUSA



Só quero que saibas
que o meu cansaço
meu embaraço
meu desentendimento
é só um lamento
por tempos escassos
é um descompasso
de sentimentos...

Só quero que saibas
que não me prendo
não me arrependo
dos meus passos
mas se eu te abraço
é porque entendo
eu não me remendo
pelo que eu faço...

Só quero que saibas
e quero que sorrias
que veja o desejo
que te iludias
quem sabe um dia
quando o meu beijo
puder afinal trair
a minha ironia?
quem sabe um dia
com a experiência,
com a paciencia,
alguma alegria...

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sábado, 10 de julho de 2010

VESTÍGIO


 amor é sempre amor.
nao importa se passou...
não importa o que ficou...
não importa a dor.
não importa o espaço que ocupou
nem o que levou
e se à vida ensinou
ou o que arrebatou...
amor é sempre amor.
sempre um abraço,
sempre um laço
que o tempo não soltou.

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sexta-feira, 9 de julho de 2010

Musica para Engraçadinha - Adoro Tango...



Não lhe peço nada
mas se acaso você perguntar
por você não há o que eu não faça
Guardo inteira em mim
a casa que mandei
um dia
pelos ares
e a reconstruo em todos os detalhes
intactos e implacáveis
Eis aqui
bicicleta, planta, céu,
estante cama e eu
logo estará
tudo no seu lugar
Eis aqui
chocolate, gato, chão,
espelho, luz, calção
no seu lugar
pra ver você chegar

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terça-feira, 6 de julho de 2010

Engraçadinha - a Lolita de Nelson Rodrigues


A trama de Asfalto Selvagem, ou Engraçadinha – seus amores e seus pecados, é um tango clássico, uma drama folhetinesco extremo. Engraçadinha – nome, apelido, ou ironia subjetiva, já que de engraçadinha ela não tem nada – é uma adolescente vaidosa, sarcástica, e com um olhar profundamente cruel daqueles que a cercam. Tem uma consciência precoce da própria sexualidade, uma total admiração por si mesma. Manipula calculadamente o pai, as tias mais velhas, o tio pedante, o padre, os primos. É a ninfa rodriguiana fundamental – atrai, seduz e destrói.

A historia de Engraçadinha se divide em dois livros, que cobrem períodos distintos de sua vida. O primeiro livro conta a vida de Engraçadinha dos 12 aos 18 anos. O segundo livro mostra Engraçadinha depois dos 30 anos. O contraste entre a Engraçadinha jovem e a madura é que mostra o grau de frustração com que Rodrigues constrói sua protagonista feminina. A Engraçadinha jovem é petulante, aventureira, e dona de uma vontade primitiva, um desejo irrestrito que ela faz questão de extravasar.

Engraçadinha, então com 18 anos, seduz o primo Sílvio na noite da sua festa de noivado com uma outra prima, Letícia. Depois do ato consumado, determina-se a separar Silvio de Letícia, afirmando à prima que está grávida do rapaz. Leticia abre mão do noivo para que ele se case com Engraçadinha – numa passividade quase altruísta. Mas quando o pai de Engraçadinha fica sabendo do imbroglio, o mundo da moça começa a ruir. Começam então as revelações e os desentendimentos que precipitam dissimulações, perversões e maldades. Aliás, todo o texto é construído a partir do artificio da dissimulação - os personagens jamais falam o que pensam, e tanto pensamento quanto argumento são narrados. No discurso, a articulação que pressupõe o normal, o óbvio. No pensamento, no íntimo, é que estão todas as obscenidades, todas as farpas.

Uma dissimulação vem à baia apenas com o objetivo de restabelecer a ordem "natural' das coisas: ao saber do envolvimento de Engraçadinha e Silvo, Seu Arnaldo, pai de Engraçadinha, confessa que Sílvio não é seu sobrinho, e sim seu filho, fruto de uma única tarde de sexo entre ele e a esposa de seu irmão. Rodrigues constrói uma trama cíclica, uma propensão à traição entre membros da mesma familia – tanto o adultério de Seu Arnaldo, quanto o incesto entre Engraçadinha e Silvio ocorrem no mesmo lugar – no divã da biblioteca da casa. Os dois casos resultam em filhos bastardos – o próprio Silvio e mais tarde, o único filho homem de Engraçadinha (que a principio inventa a gravidez, mas depois descobre que está mesmo grávida). Pai e filho desejam e possuem mulheres que não deveriam, rendendo-se ao desejo e à culpa: Arnaldo não se perdoa por ter traído o irmão, que morre antes que a gravidez da esposa venha à tona; Silvio não se conforma em perder Letícia e se divide entre a paixão por Engraçadinha e o amor assexuado pela noiva.

Silvio chega inclusive a confundir as duas: no escuro do quarto de Engraçadinha uma noite, Leticia dorme na cama da prima e acaba atacada por Silvio, enquanto Engraçadinha assiste a tudo deitada no chão. Quando sabe da confusão, Silvio excita-se ao ponto de combinar com as duas primas o mesmo encontro, na noite seguinte: Silvio dormiria com uma na presença da outra; Engraçadinha, já ciente de seu parentesco com Silvio, aceita o desafio de assistir seu amado fazer sexo com outra, já que não pode, em nome da normalidade, fazer sexo com seu irmão.

O triangulo entre Leticia, Engraçadinha e Silvio toma um forma inesperada, e precipita uma das discussoes recorrentes da obra rodriguiana: normalidade x monstruosidade ou por outra, a monstruosidade por trás da normalidade. Até que ponto o código moral estabelecido determina a pervesão, a maldade e a loucura? Leticia ama Engraçadinha, que ama Silvio, que ama as duas, de maneiras completamente diferentes. O amor de Leticia por Engraçadinha não é normal, segundo a moral vigente; o amor de Engraçadinha por Silvio seria normal, mas é proibido, também segundo a norma vigente. E como é que Silvio pode amar duas mulheres ao mesmo tempo e ainda, sugerir transar com uma enquanto a outra assiste? "Não existe coisa mais bonita do que ver o ser amado traindo", afirma.  Os sentimentos não são estabelecidos e nem definidos; portanto, não tem limites. Ser amado e ser traído, ter amor e ter ódio, tudo é posto em absoluta perspectiva. "Tudo é detalhe", diria Seu Arnaldo.

Leticia, a prima traída, demonstra um interesse obssessivo por Engraçadinha. Magra demais, pálida demais, Letícia é o exato oposto de Engraçadinha - destituída da feminilidade da prima mas, com uma força animal, poderosa, positivamente masculina - capaz de medir forças com o tio para defender Engraçadinha; ou de enfrentar o noivo para que ele assuma o filho que fez na prima; ou ainda, de beijar Engraçadinha na boca, à força.  Alguem que pode submeter-se a um triangulo amoroso para satisfazer o desejo heterossexual da prima. Leticia é a personagem cuja frustração se transforma na afirmação de uma homossexualidade reprimida, na libertação de um ser que lutava contra si mesmo. No segundo livro - que conta a historia dos personagens após os 30 anos - a Leticia introvertida, sem brio, que andava à sombra de Engraçadinha, se transforma numa mulher independente, que assume e busca satisfazer o proprio desejo. E busca ainda a vingança, ao tentar seduzir Silene, a filha mais nova de Engraçadinha.

A Engraçadinha adulta, no entanto, é o resultado de uma frustração que se instaura de maneira traumática: mesmo depois de descobrir que é irmão de Engraçadinha, Silvio faz sexo com ela no mesm local onde ela o seduziu. Mas depois do ato, Silvio decepa o seu órgão sexual com uma navalha, e definha num hospital sangrando até morrer - apodrecendo assim a própria carne. A mutilação do falo é a mutilação da sexualidade, da voluptuosidade, e do desejo; é a morte do pecado, que transpira pelos poros da jovem Engraçadinha. O grito da jovem Engraçadinha na última parte do primeiro livro é o canal pelo qual se extingue toda a força, toda a energia, e toda e qualquer voluptuosidade. Como a Lolita de Nabokov, Engraçadinha enterra o proprio desejo, se entrega a um casamento insosso com Zózimo, seu noivo na juventude - um homem apático e desprovido de qualquer virilidade - e se converte a normalidade mais abjeta - o dia-a-dia, o fanatismo religioso, a hipocrisia. Com o marido só faz sexo no escuro, e totalmente vestida.

Tem com Zózimo quatro meninas. O menino mais velho, Durval, é filho de Sílvio - e é o preferido da mãe. A menina mais nova, Silene, de 14 anos, tem a mesma volúpia da jovem Engraçadinha. Durval e Silene tem uma relação de carinho mútuo, e por vezes, obssessivo. Novamente a trama cíclica - mas desta vez, o incesto é inconsciente, involuntário. "Dona" Engraçadinha vive com os fantasmas do seu passado - um deles, a prima Leticia, agora rica e senhora de si, se materializa e tenta abusar sexualmente de Silene para se vingar de Engraçadinha. Vive em total letargia - até renascer ao arrumar um amante. Uma paixão que, por força de sua necessidade de auto-punição, não dura para sempre. Na véspera de fugirem juntos, Engraçadinha recua e volta para o marido, para a vida sem amor, para o seu castigo.

Temos, então, no desmembramento da cronologia de Engraçadinha, também o desmembramento de seus amores e pecados. O pecado da jovem Engraçadinha é se amar demais; o da Engraçadinha adulta, é se amar de menos. Os extremos se associam ao papel do típico folhetim rodriguiano - chocar para esclarecer. Fornecer, como disse o proprio Nelson, uma "rajada de monstros" no palco, exatamente para nos lembrarmos de quem somos - ou poderiamos ser. Engraçadinha transita pela normalidade e pela monstruosidade com a desenvoltura de quem confunde os dois parametros - e por isso, acaba transformando a sua vida num inferno travestido de cotidiano e renúncia, do qual simplesmente não consegue sair.


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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Quatrilho...

Imagem: Guerreiro Nu com Lança
Theodore Gericault (1791-1824)


Aí está você
Que olha e não vê
Vê e não entende
Entende e não quer saber

Aí está você
Sem como nem porque
Não se mexe nem se explica
Não tem o que dizer

Você, que vem
Com a sua natureza
Aquém do sentimento
Além de toda tristeza

Diminui o seu valor
Sua vida sem amor
Numa cantada, num inverno
Passou, passou...

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