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PECADORES CONFESSOS...

domingo, 30 de maio de 2010

Eu amo essa música...adivinha do que ela está falando? (dica: o título da música desorienta completamente...)


INOCÊNCIA
(Avril Lavigne)


Quando acordo, vejo que está tudo bem
Tudo maravilhoso agora e pela primeira vez
Olho em volta devagar e continuo impressionada
Penso nas pequenas coisas que fazem a vida
E não mudaria absolutamente nada
É a melhor das experiências...


Essa inocência é brilhante, e espero que permaneça
Este momento é perfeito, por favor não se esqueça
Que eu preciso de você
E eu vou me apoiar nisso, então
Não me deixe desaparecer...


Encontrei um abrigo sem nenhuma ferida
Tudo tão claro por uma vez na vida
Aqui me sinto feliz, que é o meu lugar
Tudo tão forte que eu me deixo falar
E não mudaria absolutamente nada
É a melhor das experiências...


Essa inocência é brilhante, e espero que permaneça
Este momento é perfeito, por favor não se esqueça
Que eu preciso de você
E eu vou me apoiar nisso, então
Não me deixe desaparecer...


É um tipo êxtase que parece fantasia
É o que vem de dentro, uma alegria
Tão bonita que te faz querer chorar...


Tão bonita que te faz querer chorar.
Essa inocência é brilhante, e espero que permaneça
Este momento é perfeito, por favor não se esqueça
Porque eu preciso de você
E eu vou me apoiar nisso, então
Não me deixe desaparecer...

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sábado, 29 de maio de 2010

Mulheres que Pecam n. 13 - A armadilha de Aurélia Camargo


E o que dizer de Aurélia Camargo? Este blog jamais poderia passar sem uma análise sobre uma das personagens mais polêmicas de José de Alencar. No romance Senhora (1875), José de Alencar trabalha  a personalidade fragmentada de seus personagens, conflitando romantismo e oportunismo, sentimento e necessidade e ambição. O casal protagonista, Fernando Seixas e Aurelia Camargo, oscila entre a paixão e o ódio, contrapondo um sonho de amor romantico com a realidade financeira de ambos. Em Aurélia Camargo, esta fragmentação se materializa na forma de uma herança que a faz enriquecer de uma hora para outra, e inaugura dentro dela o melhor e o pior de todos os sentimentos.
 O pecado de Aurelia é o pecado de parte da sociedade: a comercialização das instituições, sob pena de se reprimir a propria individualidade. A moça simples do suburbio, que é influenciada pela mãe a procurar um noivo, consegue aliar amor e necessidade ao se tornar noiva de Fernando Seixas. Fernando, porém, se arrepende do compromisso com Aurélia quando passa ele mesmo por dificuldades financeiras e percebe que o casamento com a moça só lhe traria mais despesas. Depois de conseguir um acordo de casamento com um dote de 30 mil contos de réis, Fernando abandona Aurélia. Pouco tempo depois, Aurélia descobre que o avô paterno, que ela não conhecia, é dono de uma imensa fortuna e que ela se tornaria na herdeira universal de todos os seus bens. Com a morte da mãe e do avô, Aurélia se torna uma das jovens mais ricas da corte do Rio de Janeiro, deixada sob a tutela do tio, Senhor Lemos.

A partir do recebimento da herança é que começa o processo de fragmentação da personalidade da protagonista. Para se vingar de Fernando, Aurélia negocia por intermédio de Lemos o seu proprio casamento, propondo a Fernando um dote de cem mil contos de réis, que ele deve aceitar sob a condição de não conhecer a identidade da noiva até o dia da cerimônia. Movido pelo interesse, Fernando aceita o "negócio", sem imaginar de quem se trata. Ao descobrir a verdade, Fernando até se alegra, pois ainda ama Aurélia. Mas, na noite de núpcias, Aurelia se recusa a dormir com ele, acusando-o de ter se vendido. Aurelia diz a Fernando que ele agora é sua propriedade tanto quanto todos os seus outros bens, pois o comprara por cem mil contos de réis.

É importante entender que, na dinâmica social da época, era muito comum o casamento arranjado com pagamento de dote. Era uma atitude esperada das famílias. Aurelia usa esse subterfúgio a seu favor, mas a crítica ao sistema é muito clara. O sarcasmo com que a protagonista "compra" o seu marido deixa evidente o seu desgosto com a comercialização do amor, onde o casamento é usado principalmente para traficar interesses. Aurélia oscila entre a paixão pelo marido e a decepção pela importancia do dinheiro numa união que poderia ter sido por amor. O interessante é que a ambição de Fernando não é maior nem menor do que a de qualquer outro homem da época. Rapazes de boa familia ou com boa educação sempre eram disputados pelos pais das moças em idade de casar. O tamanho do dote era o diferencial entre as pretendentes. O desgaste dessa prática na sociedade moderna é que torna a ambição de Fernando desmedida. Mas, para Aurélia, esse desgate vem ainda no contexto social em que ela se inseria - o que significa que a sua visão de mundo era bem mais moderna do que o seu proprio mundo.

Além disso, Aurelia toma para si alguns padrões de comportamento tipicamente masculinos - competiçao, objetividade, agressividade, cinismo. José de Alencar mescla bem essas características com uma certa melancolia, e uma capacidade de distorcer os proprios sentimentos. Durante toda a segunda parte do livro, Aurélia maltrata Fernando mas, ao mesmo tempo, há uma profunda mágoa por trás do seu sarcasmo. Já Fernando tenta recuperar a dignidade que considera perdida, levantando a quantia que Aurelia pagara por ele - não se sente diminuído porque aceitara o dote, mas porque não conseguira transformar Aurélia no premio que esperava. No casamento arranjado, o pai da noiva dá o dote, e a noiva dá a si mesma - como um presente pela escolha do marido. A partir do momento que Aurelia recusa as nupcias, Fernando não se sente um homem presenteado, cuja ação de aceitar o dote daquela mulher tenha sido valorizada. A sua virilidade se torna uma ferida, e o dinheiro de Aurélia é diretamente responsável por ela. Então ele se dedica a juntar cada centavo que ganhou de volta, para recuperar o que acredita ter perdido.

Aurélia sabe que só pode atingir Fernando na sua libido, mas mesmo assim, o deseja para si. Seu desejo esbarra em seu orgulho, em sua vontade de fazê-lo desprezar o código social que os separou. As posições de Fernando e Aurélia se invertem - ela tem o poder, ele não. Alencar usa a ironia da situação para criticar o capitalismo institucional que assola o sistema sócio-político de sua época. E ainda adapta essa critica ao estilo romantico, exacerbando o conflito emocional dos personagens, e por conseguinte, reforçando-os na sua individualidade, na sua auto-representação.

A batalha de egos e de sexos em que se transforma o casamento de Aurélia e Fernando se resume na ultima parte do livro, quando Fernando finalmente consegue comprar-se de volta. Ao vê-lo recuperar a dignidade, Aurélia confessa seu amor, mas Fernando diz que o dinheiro sempre estará entre eles. É hora de Aurélia ceder. Ela mostra a Fernando o testamento que fizera deixando toda a sua fortuna para ele. Pronto. Fernando recupera o poder, a dignidade e então, sente-se pronto para recuperar Aurélia que, por sua vez, decide entregar-se ao marido. Tudo volta ao seu lugar. Não é a intenção de Alencar reverter padrões e sim discuti-los, talvez reformulá-los. A saída romantica para a trama faz exatamente isso: levanta questões que não necessariamente se respondem.

Por outro lado, a saída romantica nos chama atenção para a construção dúbia de Aurélia, para a sua individualidade incomum, para a sua profunda atitude de escárnio diante do seu proprio ambiente. Ainda que no final ela volte para o marido, ela o fez nos seus termos, provocando em Fernando a mesma expressão individual que ela exige de si mesma. A narrativa de Alencar é direcionada para os conflitos dos personagens, a critica social funcionando como um cenário para o relacionamento dos protagonistas. E Aurelia perde, vence, luta, se entrega e no meio do caminho, destila o seu pecado na frente do leitor: o de ser corajosamente ela mesma.


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terça-feira, 25 de maio de 2010

No próximo Mulheres que Pecam, Senhora...

Do romance de José de Alencar (1829-1877)



Aguardem...
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domingo, 23 de maio de 2010

Mulheres que Pecam Verde e Amarelo - As Mulheres de Machado de Assis (IV)

Lìvia - um grande amor que durou seis meses

Nesse último fascículo, vamos falar daquela que é a proto-femea machadiana, ou seja, aquela que serviu de substrato para as demais personagens femininas do universo machadiano, algumas das quais achamos interessante apontar aqui no blog. Trata-se de Lívia, protagonista de Ressurreição (1872), que foi o primeiro romance publicado por Machado de Assis. Já nesta primeira construção do universo feminino, percebemos as caracteristicas incipientes que se tornaria a essencia da mulher machadiana: força, personalidade, beleza e um espirito ambíguo, nem tão passivo e nem tão questionador.

Livia é viuva, e tem um filho ainda menino. Vai morar na casa do irmão Viana depois da morte do marido, e lá se apaixona por Felix, um médico ainda jovem e cobiçado, mas desacreditado do amor. A paixão entre os dois, no entanto, se transforma no que hoje chamaríamos de "romance iô-iô", cheio de indas e vindas, principalmente por causa do ciume excessivo de Felix, fruto de sua insegurança e da falta de fé nas mulheres.
Lívia, sempre centrada e inteligente, tenta equilibrar o descompasso emocional do amado com perdão e benevolência, mas Felix invariavelmente se deixa influenciar por qualquer pessoa que reacenda nele a desconfiança no amor e no ser amado - neste caso, a mulher.

A narrativa é pautada pelas observações do narrador sobre a psicologia dos personagens. Isto é importante para entendermos a arrogância e a imaturidade de Felix - o anti-herói, o principe virado do avesso; em contraste com a magnanimidade e a tolerância de Lívia, uma mulher com uma certa experiência do universo masculino, que já fora casada, que já tinha um filho. Uma mulher para quem a descoberta do corpo e do jogo amoroso não é mais a questão. Uma mulher dificil de surpreender, com uma total consciencia do seu "poder". Essa mulher que fascina Felix, também soa para ele como uma ameaça, porque se trata de alguém cuja inocencia não pode mais ser moldada, nem recuperada. Não estaria aí a origem de suas preocupações?

Ao mesmo tempo que a ama, Felix se sente rivalizado por ela. E então, sucumbe a toda e qualquer insinuação a seu respeito - uma carta anonima, uma "confissão" deturpada, um veneno de donzela. Sim, temos nesta historia também a fofoca, a maledicência gratuita de Rachel, prima de Lívia e apaixonada por Felix que, como um Iago de saias, envenena gradualmente o ouvido de Felix sugerindo um caso entre Livia e Meneses, outro amigo da família, que de fato nutre uma paixão pela protagonista.

É muito interesse a inversão de papeis dos personagens femininos, Rachel com sua inocencia transformada em malícia, e Lívia com sua experiencia transformada em pecado. Lívia sofre, basicamente, porque não consegue enterrar o passado - isto é, o fato de já ter sido a esposa de alguem. O sexo tem um papel muito importante nessa narrativa de Machado, pois precipita uma serie de pré-julgamentos, sobretudo da parte de Felix. A viuvez de Lívia, aliada à sua beleza e juventude, pressupoe uma liberdade que não agrada ao médico. De forma que, diante da mínima possibilidade, tudo volta ao ponto de partida: Lívia não seria digna de confiança.

Depois de alguns meses, e muitas desavenças, Felix e Lívia marcam o casamento. Livia espera que o compromisso ajude o namorado a confiar nela. Mas, dois dias antes do casamento, Felix recebe uma carta dizendo que o primeiro marido de Lívia fora infeliz por causa dela, e que ele também seria. É o bastante para que ele desista de casar, rompendo com Lívia através de um bilhete.

Quando escrevi minha dissertação sobre o Otelo de Shakespeare, ponderei sobre um aspecto da personalidade masculina que chamei de cornofobia, que denomina um pavor patológico de ser traído. Esse aspecto cai como uma luva no caso de Livia que, assim como Desdêmona, não merece tal acusação. Os altos e baixos no romance entre Lívia e Felix denotam uma total estereotipação do comportamento feminino, tal qual no drama shakespeariano, em que a mulher figura sempre com um ser perigoso, volúvel, dissimulado. O pecado de Lívia é, portanto, a sua propria imagem, e o que ela inspira - desprendimento, segurança, desejo.

No final do romance, a farsa da carta que Felix recebera é descoberta, e ele quer retomar o romance com Livia. Mas, depois de tantas decepçõe, Lívia não o aceita mais. Apesar de amá-lo - e a narrativa sugere, através de uma passagem de tempo de dez anos, que Lívia sempre amará Felix - Lívia sabe que não pode cura-lo de si mesmo. Um embate sem vencedores. A paixão de Felix esfria; o amor de Lívia se solidifica. Mas Lívia canaliza esse amor para o filho, para o qual passa a se dedicar em tempo integral. O abandono dessa parte de si mesma funciona, para ela, como o abandono do sofrimento, da recusa, do desespero. É um renascimento em favor do que importa, da construção de uma mulher amadurecida mas independente, sem as agruras do convivio amoroso - e por conseguinte, sem a exposição às mazelas da sociedade.

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Mulheres "Alucinadas" que Pecam - Vá rir no teatro...


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sábado, 22 de maio de 2010

Mulheres que Pecam Verde e Amarelo - as Mulheres de Machado de Assis (III)

Virgília - adultério e dissimulação

                                   
O caso de Virgília, em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), é a ferida clássica na prática social mais elementar: o casamento. Filha de um conselheiro do governo, Virgília é inicialmente prometida a Brás Cubas, que aspirava a um cargo na corte; chegam a ficar noivos mas, de repente, Virgília troca Brás Cubas por Lobo Neves, casando-se com ele. Um tempo depois, a reviravolta: Brás Cubas passa a trabalhar com o marido de Virgília, e os dois se tornam amantes. Uma virada irônica que precipita uma reflexão sobre a instituição do casamento, e a satisfação da mulher no relacionamento amoroso.

Virgília é aquela mulher que busca sempre o próprio prazer, o seu comprometimento é consigo mesma – mas ela não chega a ser totalmente subversiva. Como a Sofia de Quincas Borba, Virgília se sente confortável jogando o xadrez social, representando o seu papel de esposa amorosa e dedicada, enquanto trai o marido com o ex-noivo. Até quando Brás Cubas sugere que ambos fujam juntos, Virgília recusa – prefere arranjar uma casa no subúrbio para manter seus encontros secretos. Virgília é uma mulher essencialmente chauvinista - isto é, casamento, amor e sexo não necessariamente andam juntos - ou por outra, o amor marital e o amor erótico são duas entidades distintas, cada uma com um propósito, e por isso não precisam ser investidos na mesma pessoa.

O romance de Virgília e Brás, no entanto, começa a cair na boca do povo, mesmo depois de todas as precauções. Para completar, Virgilia engravida de Bras, e perde o filho. Mas mantém o casamento com um homem cada vez melhor sucedido, ao contrário de Brás Cubas, que se define sempre através da negação: não foi marido, não foi político, não foi rico nem famoso, nem foi pai. A completa auto-anulação de Brás Cubas parece desmotivar o desejo de Virgília, e os dois acabam se afastando - sem choro e sem mágoas, Virgília parte com o marido para outra província, onde ele seria presidente e deixa Brás Cubas para trás.

O interessante no comportamento de Virgilia é a sua capacidade de oscilar entre o convencional e o irreverente, personificando a virtude e a mazela do meio em que vive. No entanto, sendo pouco cuidadosa na expressão do seu desejo, leva o flerte e a vaidade ao extremo, traindo sistematicamente o marido e se colocando no centro da fofoca de alcova. Ainda assim, procura contornar a maledicencia para preservar o casamento de ideias e ambições com Lobo Neves, conseguindo mantér seu adulterio até a sua despedida definitiva da cidade. Virgilia é um pouco como Madame Bovary, mas absolutamente realista, sem o elemento onírico da personagem de Flaubert.

Virgilia e Brás Cubas ainda se reecontram anos depois, quando o protagonista já estava com 50 anos. Já uma mulher madura, Virgilia conservara a beleza e a capacidade de se adequar ao proprio meio. Conversa placidamente com Brás Cubas como se nada tivesse acontecido entre eles. Mantem a classe de uma mulher casada de anos, já profundamente realizada com o proprio destino. Virgilia é uma mulher completamente independente das amarras sociais - ao contrario de Sofia, que se estabelece pela anulação da propria vontade. O seu interesse a faz participar do jogo social, ainda que pareça que ela esteja adequando o seu desejo ao do seu marido. Sem sair do tabuleiro, ela move todas as peças que lhe interessam. Quando está exposta, se protege. Mulheres como Virgília não desaparecem, porque não aparecem. São parte de uma engrenagem que absorve e camufla os próprios pecados.

Último fascículo: Lívia (Ressurreição, 1872)

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quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mulheres que pecam Verde e Amarelo - as mulheres de Machado de Assis (II)

Sofia - a arte da adaptação 

Em se tratando de ambiguidade e malícia, a personagem Sofia, do romance machadiano Quincas Borba (1891), talvez seja a melhor construída, depois de Capitu. Sofia é a personagem feminina mais determinante na historia de Rubião, um homem simples que fica milionário e morre pobre e louco - e apaixonado por ela. A participação de Sofia na loucura de Rubião, bem a como a complexidade do seu caráter é uma das questões do romance. Afinal, Sofia levou Rubião à miséria financeira e à exaustão mental? 
Sofia (do grego sophia= sabedoria; sábia) é uma mulher de sociedade, casada, fina, e linda. É exibida como um troféu pelo marido,  o inescrupuloso capitalista Palha, que parece usar sua beleza para atrair investidores. Rubião, um enfermeiro do interior que herda toda a fortuna de Quincas Borba, é presa fácil. Ingenuo e romantico, Rubião se encanta por Sofia e por consequencia, passa a confiar cegamente em Palha, deixando-o administrar seus bens. É claro que Palha abusa da confiabilidade de Rubião para roubar-lhe gradativamente os lucros de seus investimentos. E, com o passar do tempo, Sofia influencia cada vez mais a permanência de Rubião no convívio dos Palha.
O encantamento de Rubião com a beleza de Sofia se transforma numa paixão avassaladora. A atitude de Sofia com relação à Rubião é bastante ambígua: em alguns momentos parece encorajá-lo, para logo depois esquivar-se. Quando finalmente Rubião confessa seu amor, Sofia o recusa e conta tudo ao marido, que reage indignado, mas mantém a parceria financeira com o matuto. E aí se encontra o cerne da questão. O comportamento de Sofia com Rubião não é completamente justificado por Machado no romance. Sofia age ou não em conluio com o marido, seduzindo Rubião propositadamente para roubar-lhe a herança? 
Se considerarmos as premissas humanistas defendidas no livro - e representadas na filosofia "inventada" pelo falecido Quincas Borba - ao vencedor, as batatas! - podemos desconfiar da atitude pretensamente honesta de Sofia. Podemos enxergar um padrão de comportamento típico da arte da guerra: tráfico de influencia. Sofia transita entre Palha e Rubião defendendo os interesses de seu casamento. Age sempre em favor do marido, e mantém sua beleza quase que como uma arma. Compraz-se em ser admirada pelos homens, mas jamais chega a trair o marido - nem na unica vez em que realmente se dispõe a fazê-lo, quando se apaixona pelo conquistador barato Carlos Maria. Assim, Sofia permanece no seu pedestal, seduzindo e abandonando, intervindo sem intervir. Sua beleza e sua atitude plácida se encaixam no perfil da mulher social - alguém para quem o flerte é uma tendencia, uma consequencia natural ao comportamento que esperam dela.
Dessa forma, a sobrevivencia depende de uma capacidade de adaptação ao meio competitivo e seletivo da sociedade capitalista. Sofia, enquando representante do feminino, acaba sintetizando o papel da mulher nessa guerra fria social - uma atitude implícita, subentendida e reduzida aos interesses do homem, do pai, do marido. O unico interesse atribuído de fato à Sofia durante toda a trama - isto é, a tentativa de adultério com Carlos Maria - acaba não se concretizando, pois o conquistador não aparece no encontro marcado. Sugestivo nessa ausencia é a marginalização da vontade individual feminina, em comparação à individualidade preservada do macho.
Sofia, no entanto, não se abala nem se redime. O seu contumaz desprezo pelo amor de Rubião precipita os sinais de insanidade no protagonista, enquanto ela e o marido enriquecem cada vez mais às custas dos seus negócios. No fim do romance, Sofia e o marido inauguram seu palacete com um grande baile, enquanto Rubião morre enlouquecido e sem um vintém.
O final tipicamente machadiano não deixa claro se Sofia agiu intencionalmente com Rubião ou se Rubião foi incapaz de se adaptar a um comportamento que, para a sociedade urbana, é absolutamente normal. O estrangeirismo de Rubião quanto aos costumes da corte, e aos mecanismos inerentes ao mundo captitalista inclui também o seu estrangeirismo com relação à conduta feminina nesse ambiente. Sofia é o exemplo máximo dessa conduta no romance. Ela é a musa, a mulher inatingivel, virtuosa e fiel - que esconde uma natureza dúbia, um interesse excuso, que quase nunca diz respeito à ela mesma. 
O seu pecado não é o transgressão, mas talvez seja o da acomodação - ou o do profundo conhecimento das regras do jogo e uma profunda disposição em ser uma de suas peças. Sofia é aquela capaz de se transformar exatamente naquilo que deve ser - mas justamente por isso, a sua sobrevivencia no mundo capitalista permanece inevitável.

Próximo fascículo: Virgília (Memórias Póstumas de Brás Cubas - 1881)

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sábado, 15 de maio de 2010

Mulheres que Pecam Verde e Amarelo - as mulheres de Machado de Assis

Já falamos aqui no blog de uma das personagens femininas - senão a personagem feminina mais controversa da literatura brasileira: a Capitu de Dom Casmurro. Capitu é propositadamente ambígua, naturalmente sensual e profundamente apaixonada - embora não se saiba se pelo marido Bentinho, ou pelo melhor amigo dele, Escobar. A historia começa e termina em pistas que não se resolvem, e que deixam no ar uma dúvida eterna, para o narrador-protagonista e para o leitor: afinal, Capitu traiu Bentinho? E afinal, será que isso realmente importa?
Capitu é a personagem-mulher mais famosa de Machado de Assis. Mas não é a unica. De uma forma geral, as mulheres machadianas - sobretudo as heroínas ou as condutoras da narrativa - são concebidas para serem fortes, determinadas em seus objetivos e em busca de algum nível de satisfação pessoal - o que convenhamos, não era o padrão de comportamento da mulher do sec. XIX. Falaremos de outras quatro personagens que, junto com Capitu, compõem o time de pecadoras do imaginário machadiano. Nosso primeiro fascículo:

Helena  (1876) - a mulher com um segredo...

Outra das mulheres controversas de Machado, Helena - do termo grego Helene, que significa "brilhante" - é uma mulher cuja história transfigura de certa forma a etmologia do nome. O brilho de Helena vem da sua beleza, da sua fibra, da sua inteligência ameaçadora e sutil. E é exatamanente esse brilho que a conduz ao cerne de um pecado do qual só se redime com a morte.

Ambientada no Rio de Janeiro colonial, Helena é a filha postiça de um rico conselheiro da corte, que tem um caso amoroso com sua mãe, Angela. A morte do conselheiro do Vale é o ponto de partida na trajetória da heróina. Na abertura do testamento, do Vale afirma que Helena é sua filha de sangue, portanto, herdeira de toda a sua fortuna junto com Estácio, seu filho legítimo. Mesmo sabendo da verdade, Helena assume a posição de dona da casa, como irmã mais nova de Estácio e herdeira riquíssima. Seu pulso forte no comando da casa e sua personalidade aflorada a antagonizam, basicamente, com outros dois personagens femininos: D. Úrsula, tia de Estácio, que reage com a divisão da herança com uma filha bastarda; e Eugênia, moça da corte cujo casamento com Estácio havia sido engendrado pela família exatamente por conta da enorme herança que ele receberia sozinho.
Com o passar do tempo, Helena ganha o respeito de D. Úrsula e do resto da corte, que passa a tratá-la com deferência. A ascensão social que ambicionara ao aceitar uma herança que não lhe pertencia acontecia gradativamente, e pretendentes não lhe faltavam. Mas ao mesmo tempo, o interesse de Helena por Estácio - e vice-versa - evolui para admiração, carinho, afinidade, e os sentimentos entre os dois vão se desenvolvendo. É aí que ocorre o grande conflito da trama: Helena e Estácio se apaixonam perdidamente. Estácio passa a viver atormentado pelo que considera um amor incestuoso, já que acredita que Helena seja sua irmã; por outro lado, Helena passa a se atormentar com o fato de que sua mentira afastou-a de seu amor de forma irrevogável. Em outras palavras, Estácio se atormenta porque não sabe a verdade, e Helena se atormenta porque sabe.

Embora Machado deixe claro que Helena não é irmã legítima de Estácio, esse conhecimento dentro da narrativa pertence apenas à heroína - o que aumenta a sua carga. Helena suporta um tormento particular, mas, ainda assim, fomenta o tormento de todos à sua volta. O fantasma do incesto permeia toda a interação entre Helena e Estácio, e os ciumes romanticos de Estácio em relação à "irmã" tornam-se cada vez mais evidentes, sobretudo quando Helena aceita se casar com Mendonça, amigo de Estácio. Não obstante, é um padre o primeiro a perceber que os sentimentos entre os irmãos não são fraternos. Mas, junto com o amor revela-se também a verdade.

E a verdade, na trama de Machado, se materializa numa casa de bandeira azul. Uma construção modesta no meio do caminho de Helena e Estácio, notada na primeira vez que cavalgaram juntos. A casa da bandeira azul é pintada num quadro por Helena que, instintivamente  presenteia o quadro à Estácio no dia de seu aniversário - e aqui podemos perceber como Machado trabalha a psicologia da personagem, ao fazê-la preparar o caminho para a revelação da verdade, ainda que inconscientemente, expiando-se assim da propria culpa. A curiosidade em relação ao interesse de Helena pela casa faz com que Estácio a siga em uma de suas constantes visitas ao local. Chegando lá, encontra um homem de meia-idade, que Estácio descobre mais tarde ser Salvador, o verdadeiro pai de Helena. Salvador conta que fora abandonado pela mulher Angela, que fugira com a filha ao se apaixonar por outro homem - neste caso, o pai de Estácio. Esse mesmo homem, sendo rico, sustentava uma casa para Angela e tratava Helena como sua filha. Com a morte do conselheiro e a perfilhação de Helena, Salvador achou melhor ela continuar mentindo para ter uma vida confortável.

Agora Estácio também sabia a verdade - mas como revelá-la, sem causar um rebuliço social? Assim, Estácio resolve mais uma vez, conformar-se. Deixar tudo como está. Mas essa não seria a atitude de Helena.

Sem conseguir purgar a mentira dentro de si, Helena pega uma chuva forte e cai seriamente doente. A chuva, neste ponto da narrativa de Machado, assume o carater simbolico da purificação, da alma e do corpo tentado ao pecado no seio da família. Desse modo, a alma de Helena se "limpa", e o seu corpo definha rapidamente. A sugestão de Machado é que, ao perceber que a verdade provocaria julgamentos, preconceitos e retaliações de uma corte conservadora, Helena se deixa consumir pela doença, para morrer. Estácio se desespera a confessar seu amor, e o ultimo ato de Helena é o único beijo de amor do casal, já livres da mentira e também, do julgo da sociedade. Helena, de uma certa forma, prefere a morte ao ostracismo. Martirizando-se torna-se uma lembrança eterna, e eterno também será o seu brilho.

A construção do conflito psicológico da personagem, e a sua constante oscilação entre anjo e demonio, são características básicas da visão machadiana do feminino. Em Helena, a morte da protagonista é também a sua redenção, o seu modo de colocar um ponto final no tormento que ela mesma causara - de maneira que, com o seu desaparecimento tudo volta ao ponto de partida - a morte, um testamento, uma repartilha dos bens, e um casamento arranjado para apagar o vazio que Helena deixara. Mas os personagens não seriam os mesmos, apenas versões amadurecidas pela dor, endurecidas. Helena deixara uma marca. A marca de uma personalidade absorvente, encantadora, em cuja transgressão reside o sentimento, e em cuja renuncia reside a sua eterna imagem.


Proximo fascúculo: Sofia  (Quincas Borba,1891)

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domingo, 9 de maio de 2010

As Mães do divã de MULHERES QUE PECAM

Jane Eyre – depois de decidir que se uniria maritalmente com um homem que acreditava ser casado, Jane teve uma filha de Edward Rochester. E ainda cria Adelle, filha de um antigo caso do marido. Felizmente Rochester já estava viúvo quando ela voltou a Thornfield para viver com ele.

Catherine Earnshaw – teve uma filha, Kathy, fruto do casamento com Edward Linton. A menina nasceu sem o espírito selvagem da mãe, mas sua semelhança física com Catherine lhe rendeu maus momentos nas mãos do vingativo e apaixonado Heathcliff.


Capitu – teve um único filho, Ezequiel, que o marido Bento “Dom Casmurro” Santiago afirma ser a prova cabal de seu adultério com Escobar, amigo do casal. Bentinho afirma que Ezequiel é a cópia de Escobar em todos os sentidos: fisicamente, o jeito de andar, de falar, os gestos. Mas, é claro, que este podia ser apenas o seu ponto de vista...



Madame Bovary – teve uma filha com o marido, o obscuro médico Charles Bovary. Emma tinha problemas de aproximação com a menina, que considerava a continuação de seu sofrimento, a perpetuação de sua prisão como mulher. Deixava a menina sempre aos cuidados de uma ama de leite; mais tarde, resolve levá-la para casa, mas não muda seu comportamento com a filha.

Luciola – morre no parto de seu único filho com Paulo. Prefere morrer tentando dar-lhe a luz a abortá-lo. Paralelamente, tem uma afeição maternal pela irmã mais nova, Ana, e é para criá-la dignamente que se torna prostituta. Paulo passa a ser o tutor de Ana após a morte de Luciola.

Hester Prynne – mãe de Pearl, o pivô de toda a sua provação com a letra escarlate. A menina foi concebida numa relação extra-conjugal com o pastor do vilarejo, Arthur Dimmesdale. Passa a bordar e costurar para fora para sustentar a menina, e adquire o respeito dos moradores da vila, apesar do adultério.

Mrs. Clarissa Dalloway – tem uma única filha, Elizabeth, fruto do seu casamento com o pacato Richard Dalloway. A jovem Elizabeth é o oposto exato da jovem Clarissa: subserviente, cordata, influenciável, tem amizades perigosas que Clarissa não aprova. E Clarissa suspeita que Elizabeth seja homossexual...

Lolita – aparece grávida na última parte da narrativa de Nabokov. A gravidez é fruto de seu casamento com um jovem pobre e batalhador. Já destituída da brejeirice que enlouqueceu o pedófilo Humbert, Lolita morre dando a luz ao bebê – uma menina, é claro.

Lady Macbeth – a mãe mais polêmica que já passou por este blog. Há várias sugestões em Macbeth que sustentam a teoria de Lady Macbeth teve filhos - muito provavelmente de uma união anterior, já que o próprio Macbeth afirma que o seu "cetro" é estéril. Mas as crianças nunca aparecem, e há evidências na peça de elas não mais existem quando da união do casal protagonista.

Maria, mãe do Cristo – a mãe de todos que, segundo reza a lenda cristã, concebeu Jesus Cristo imaculada, quando ainda era solteira, recebendo o Espírito Santo. Sua gravidez teria provocado desconfiança em todos, inclusive no noivo, José. Até que o próprio José recebera a visita o anjo anunciando a vinda do Cristo pela concepção de Maria.

Eva – a mãe primeira, a mãe da dúbia natureza feminina, a mãe da humanidade expiadora de seus pecados. Segundo reza o Gênesis, Eva teria induzido Adão a desobedecer a Deus, comendo do fruto da arvore da consciência. Foi expulsa do Éden com Adão e com ele teve três filhos: Caim, Abel e Seth. Teve de testemunhar o filho mais velho Caim matar o próprio irmão, Abel, por ciúme. Alguns dizem que foi castigo...

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sábado, 8 de maio de 2010

Mulheres que pecam n. 12 - O caldeirão de Abigail Williams...



Cru.ci.ble. 1. Vaso de argila refratária, porcelana, grafita, ferro ou platina, geralmente em forma de tronco de cone, e próprio para nele se fundirem metais e outros minerais; crisol. 2. Parte do forno em que se realiza a fusão. 3. (fig.) Prova severa.

Fonte: Dicionário Michaelis


Conforme já antecipamos, a história que Arthur Miller desenvolveu para a peça The Crucible foi, em parte, inspirada por fatos que ocorreram nos primórdios da história americana. O  julgamento das bruxas  em Salém, Massachussets - e principalmente, a participação crucial de uma menina de 12 anos naqueles acontecimentos, funcionaram como um gatilho para Miller conceber os personagens de The Crucible - mas, sobretudo, para construir um carater, uma personalidade e uma motivação por trás das ações de Abigail Williams, a garotinha da vida real transformada na adolescente ardilosa que protagoniza a trama de Miller.

No inicio da peça, o Reverendo Samuel Parris surpreende um grupo de meninas na floresta participando de um circulo de magia liderado por sua própria escrava, uma índia chamada Tituba. Entre as meninas estavam sua sobrinha Abigail Williams e sua filha, Betty Parris - além de Ann Putnam Jr., sua dama de companhia Mercy Lewis, e a empregada da familía Proctor, Mary Warren. Todas entre 17 e 18 anos, em idade de paixonites agudas e planos de casamento. Por isso mesmo, o objetivo original seria aprender poçoes e feitiços amorosos. Mas o cenário encontrado pelo Rev. Parris era extremamente propício para se suspeitar de rituais de bruxaria. Ainda mais com uma mulher (!) de origem indígena (!!) envolvida no epísodio.

Há varios aspectos nesta história que poderiam suscitar revolta e exaspero. Primeiro, não podemos esquecer que a trama é ambientada em tempo e lugar exatamente iguais aos da vida real - isto é, Massachussets, 1690. Naquela época, a religião predominante era o Puritanismo, uma doutrina profundamente ortodoxa, com dogmas rígidos. Magia, por mais inofensiva que fosse, era influencia do diabo; ainda mais se praticada por um membro completamente discriminado da comunidade: o índio. É sabido que durante o período colonial americano, os indios e os imigrantes europeus que ocuparam o território da Nova Inglaterra (hoje EUA) travavam batalhas sangrentas pela posse da terra. A escravidão indígena advém desses confrontos. Ainda que Tituba tenha sido comprada pelo Rev. Parris na America Central, a sua origem indígena suscita o mesmo preconceito que existia contra os nativos americanos. De maneira que a suspeita de uma india fazer bruxaria com meninas brancas na Massachussets de 1690 tem o efeito de uma bomba.

Essa situação se torna um caldeirão fervente, explodindo preconceito e perseguição por todos os lados - é preciso espantar o mal da comunidade. E é aí que entra o ardil da jovem Abigail Williams. Numa das primeiras aparições de John Proctor na trama - quando ele vai visitar Betty Parris, que cai miteriosamente doente - o público descobre que ele e Abigail tiveram um romance extra-conjugal quando ela trabalhava para os Proctor. A esposa de John, Elizabeth Proctor, havia expulsado Abigail depois de descobrir o caso. John não se dispusera a separar-se da mulher - mas Abigail acreditava sinceramente que ele ainda a amava e por isso, odiava Elizabeth intensamente.

Esperta e dissimulada, Abigail percebe que pode reverter  a situação envolvendo ela e as meninas encontradas na floresta a seu favor, e engendra uma cama de gato em cima do episódio para enredar Elizabeth Proctor numa grave acusação de bruxaria. Como um Iago de saias, a Abigail de Miller se aproveita da súbita doença da prima Betty Parris e induz não somente Betty, como todas as meninas presentes naquele 'evento' a gritarem, espernearem, contorcerem-se de dor e jurar por Deus que estavam sendo atormentadas por espectros de determinados moradores da comunidade. Dessa maneira, Abigail pretendia criar uma cortina de fumaça para esconder no meio de vários acusados aquela que era o seu único alvo.

Ao conduzir a trama por esse viés, Miller constrói para Abigail uma personalidade ao mesmo tempo sedutora e ambiciosa, como também articuladora. Abigail é uma líder, influencia fortemente o grupo de meninas à sua volta e também usa pequenos e inusitados acontecimentos para reforçar o seu caso contra os moradores acusados. Por exemplo, Abigail presencia Mary Warren fazendo uma boneca de pano para a patroa Elizabeth Proctor, e nota que ao terminar o trabalho Mary deixa sua agulha espetada na barriga da boneca. Mais tarde, Abigail finge contorcer-se de dor na barriga para que todos pensem que ela está sendo vítima de vodu. De forma que quando a boneca é encontrada nos pertences de Elizabeth Proctor, esta funcione como evidência de prática de bruxaria.
 
Junta-se a isso o fato de John Proctor não freqüentar assiduamente a igreja e não recitar facilmente os dez mandamentos – especialmente o último, “não cometerás adultério”- e a família inteira se vê em maus lençóis. Paralelamente, Abigail consegue convencer Tituba a preparar uma poção venenosa para matar Elizabeth. A Abigail de Miller, portanto, é mais velha, com motivos mais complexos e uma capacidade de articulação e competição incomuns de se presenciar numa mulher daquela época – embora fosse comum acreditar que as mulheres pudessem fazê-lo secretamente ou em pensamento. Geralmente, mulheres assumidamente artimanhosas e de personalidade forte eram marginalizadas como bruxas ou prostitutas.

Curiosamente, a Abigail de Miller transita em ambos os pólos. Enfrentando no inicio da trama a suspeita de bruxaria, também se confirma, por ocasião do julgamento de Elizabeth Proctor, o seu adultério com John Proctor – o que em qualquer comunidade teocrática equivale a uma acusação de prostituição.

Claro que as acusações de Abigail não ganharam força unicamente pelo seu carisma. O julgamento das bruxas/bruxos de Salém ganhou contornos políticos também na trama de Miller. Havia interesses de moradores locais, como os Putnam, que incitam sua filha Ann a acusar as parteiras da comunidade de bruxaria – porque sua mãe havia perdido vários filhos no parto e precisava de consolo; Ann também acusaria a esposa do vizinho dos Putnam, Martha Corey, porque assim os Corey poderiam perder as suas terras e os Putnam as adquiririam. Havia também o interesse dos juízes do caso em se promoverem às custas de condenações deste nível, aproveitando-se do fanatismo religioso local. No âmbito off-palco, há ainda o fato de Miller ter escrito a peça como uma alegoria a um outro fato histórico - a “Caça às Bruxas” que aconteceu nos anos 50 nos EUA, quando o senador republicano John McCarthy criou uma lista negra de acusados de apoiarem o regime comunista da então União Soviética. O próprio Miller teria sido interrogado e estimulado a dedurar supostos amantes do regime.

De fato, em The Crucible, aquele que confessava-se bruxo(a) escapava da morte. Quem se professava inocente, era condenado com base nas evidencias das meninas “influenciadas”, lideradas por Abigail. Os condenados morriam enforcados; os confessos morreriam de velhos na prisão. E os que se recusavam a professar culpa ou inocência, mantendo-se em silêncio, eram torturados até a morte - mas mantinham seu bom nome e suas posses, já que sem manifestação nada poderia ser provado.

E é pelo próprio sistema de julgamento que o estratagema de Abigail começa a ruir. Membros respeitados na comunidade começam a morrer em silêncio, sem alegarem nem culpa nem inocência; na rede de interesses criada em volta do episódio, o próprio John Proctor é acusado por um ex-amigo e preso; e Elizabeth Proctor, presa e condenada pelas mãos de Abigail, acaba escapando da morte ao descobrir-se grávida. A mesma sorte não tem seu marido, que marcha para a forca sem confessar culpa.

Diante da crescente insatisfação dos moradores com condenações sem provas, a causa das meninas começa a perder força e Abigail se vê acuada. No final da trama, ela rouba um bom dinheiro do tio e foge num barco com Mercy Lewis; Miller neste ponto prefere ser fiel à lenda de que a menina Abigail teria se prostituído em Boston, e escolhe o mesmo final para sua personagem.

A Abigail Williams criada por Miller tem todas as características de uma vilã clássica. Mas é em volta dela que toda a trama de The Crucible se desenvolve. É a história de uma mulher obcecada, forte e com uma enorme falha de caráter, que coloca toda uma cidade a mercê de sua vingança. Uma anti-heroína, que perde redondamente ao ver seu amor condenado à forca e sua desafeta sobreviver com um filho dele no ventre. Á Abigail resta usar sua sedução em outro lugar – desta vez, para sua própria sobrevivência.

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quarta-feira, 5 de maio de 2010

Pausa para a cultura brasileira

Gente, é o seguinte:

Estréia dia 14 de maio nos cinemas de todo o Brasil o filme Quincas Berro d´Água, adaptação para as telonas do romance do grande Jorge Amado. Com Wladimir Brichta, Mariana Ximenes, Paulo José e Marieta Severo. Olha aí o cartaz do filme:

Para quem não conhece a historia: Quincas Berro d´Agua, ex-funcionário público
 e pinguço profissional, é encontrado morto em sua cama.
Seus amigos de cachaça, inconformados com a morte do amigo, roubam o corpo
e fazem um tour pelos bares de Salvador, para proporcionar a Quincas
 a despedida que ele sempre quis.

Resumindo, o filme é uma comédia só, e é arte de primeira. Vale a pena assistir!!

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terça-feira, 4 de maio de 2010

O Julgamento das Bruxas de Salém


Antes de começarmos a falar sobre a personagem Abigail Williams, é bom sabermos que a personagem criada pelo dramaturgo americano Arthur Miller (1915-2005) para sua peça The Crucible (1953) foi baseada numa menina de 12 anos que viveu em Salem, Massachussets, no fim do sec. XVII. A jovem Abigail Williams foi a principal responsável pela articulação de um dos maiores julgamentos de bruxaria de que já se tem noticia. Um episódio que ficou conhecido na história americana como "O Julgamento das Bruxas de Salém".

Até hoje não se sabe com certeza como tudo começou. Há muitas teorias: uma delas, que é a que Arthur Miller usa na peça The Crucible, é a de que um grupo de meninas (entre elas, Abigail e sua prima Betty Parris, de 9 anos) se reunira na floresta à noite com a escrava dos Parris, a índia Tituba, para experimentar rituais de magia. Elas queriam, basicamente, saber o futuro - como seriam seus maridos, sua casa, seus filhos...- e também ouvir as historias macabras que Tituba contava em volta da fogueira. Mas, pouco depois, Betty Parris aparece com uma misteriosa enfermidade; em seguida, Abigail começa a ter surtos agressivos e espamos, queixando-se de dores pelo corpo e gritando palavras chulas. Sem diagnóstico de doença fisica, o médico da cidade atesta que a doença de ambas é de natureza espiritual - o que numa pequena cidade regida pelas leis da religião puritana, significa dizer que elas estariam com o demônio no corpo. Para escapar de uma punição severa por bruxaria, Betty Parris acusa Tituba de influenciá-las com magia. Nesse ínterim, outras meninas presentes na roda de magia começam a apresentar os mesmos sintomas de Abigail e Betty. Uma delas acusa duas figuras obscuras da comunidade de bruxaria.  A partir daí, Abigail Williams entra em cena.

Provavelmente para dar credibilidade ao testemunho do grupo, Abigail começa a acusar membros respeitáveis da cidade de Salem de influenciarem por metodos escusos - isto é, magia negra - todas as meninas envolvidas. Verdadeiros pilares da comunidade local começam a ser investigados com base exclusivamente nas declarações de Abigail. Pesquisas históricas dão conta de que os julgamentos também tinham motivação e aproveitamento político: Abigail era sobrinha do Reverendo Parris, lider religioso de Salem - que era também um dos organizadores de uma campanha separatista que visava criar um novo município na área rural da cidade, dissociando-a do centro urbano. Quando Abigail toma frente dos depoimentos, pessoas influentes no centro urbano de Salem passam a ser desmoralizadas com acusações de bruxaria. Conscientemente ou não, Abigail se torna uma peça chave para transformar o episodio em panfletagem pró-separação.

Considerando essa ideia, a acusação de John Proctor e família faz todo sentido - John era um dos líderes daqueles que defendiam a não-separação das duas regiões de Salem. Proctor também não acreditava na "doença" das meninas - achava que isso podia ser curado com um pouco de disciplina.

Os julgamentos de Salem aconteceram entre setembro de 1692 e janeiro de 1693. O tribunal de Salem avaliou mais de 200 acusações de bruxaria, tendo condenado varias delas à prisão e à morte. Dezenove pessoas morreram na forca; outras cinco morreram na prisão enquanto aguardavam julgamento. Um dos acusados morreu torturado por se recusar a participar da propria corte. As outras foram perdoadas quando o governo de Massachusets decidiu suspender os julgamentos. E tudo por conta da palavra de uma menina, cuja motivação e veracidade jamais puderam ser verfiicados.

Não se sabe o que aconteceu a Abigail Williams depois desses eventos. Sabe-se que os Parris concordaram em se mudar de Salem, depois que ficou claro que várias acusações foram injustas, e para servir a interesses nada religiosos. Depois disso, nada. Não há qualquer outro documento fazendo a menção à Abigail Williams. Especula-se que ela teria morrido solteira e sozinha; ou ainda, que ela teria se tornado prostituta em Boston. Mas a verdade é que o desaparecimento de Abigail Williams a transformou num mito, num personagem tão forte e marcante quanto a Abigail de Arthur Miller.


CURIOSIDADES:

1) A Abigail Williams historica tinha 12 anos; Para servir ao enredo criado para The Crucible, Miller a transformou numa bela jovem de 18 anos.
2) A relação excusa entre Abigail Williams e Jonh Proctor foi criada exclusivamente para a peça. Não há qualquer evidência histórica que comprove que Abigail e Proctor se conheciam. Abigail morava no campo e Proctor tinha uma taberna na cidade. Eles moravam a mais de 8 km de distancia um do outro - o que em 1692 era algo dificil de percorrer.
3) o John Proctor histórico tinha 61 anos; para a peça, Miller o transformou num homem de 30 anos. A esposa de Proctor, Elizabeth, estava grávida na época dos julgamentos e por isso escapou da morte - na vida real e na peça - sendo condenada à prisão perpétua.
5) O juiz que presidiu os julgamentos em Salem chamava-se John Hathorne - que vem a ser bisavô do escritor Nathaniel Hawthorne, autor do livro A Letra Escalarte, cuja protagonista Hester Prynne já deitou no divã deste blog. A letra "w" no sobrenome Hathorne foi acrescentada pelo escritor para desvinculá-lo da figura do carrasco de Salem. Será só coincidencia que a história de Hester Prynne tenha sido ambientada justamente na America Puritana no sec. XVII?
6) A peça de Arthur Miller ganhou uma versão para o cinema em 1996, que no Brasil ganhou o título de "As Bruxas de Salém", com Winona Rider no papel de Abigail Williams e Daniel Day-Lewis no papel de John Proctor. O roteiro do filme foi escrito pelo proprio Arthur Miller.

No proximo post, vamos deitar a Abigail Williams de Arthur Miller no divã do nosso blog. Aguardem...




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domingo, 2 de maio de 2010

HELP!

Caros leitores do blog,

Estou elaborando uma série de Mulheres que Pecam só com personagens de romances brasileiros. A ideia é juntar algo em torno de cinco personagens femininas concebidas por escritores nacionais de qualquer escola literária, em qualquer época - tanto em narrativa, quanto em teatro - para discutirmos nos posts.

Já falei sobre duas persongagens brasileiras bem famosas aqui - Lucíola e Capitu. Agora, quero ouvir as sugestões de voces. Quem quiser opinar, deixe sua sugestão na seção de comentários deste posts. As mais votadas integrarão o time de Mulheres que Pecam nacionais.

Conto com voces, caríssimos!

Claudinha

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POR MEUS PECADOS...


Perdoe meu corpo quente
em água fria;
Perdoe-me o grito
o silêncio, a agonia
Perdoe os defeitos
Perdoe o mau-jeito
O meu eterno momento
tão de repente;
Perdoe-me o pensamento
o meu ávido ensejo
Perdoe-me o desejo
de seguir em frente...
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sábado, 1 de maio de 2010

Mulheres que pecam n. 11 - A maníaco-depressiva Blanche Dubois


"A experiência é uma professora brutal. Mas voce aprende. Nossa, como aprende..."
             C.S. Lewis (1898-1963), escritor irlandês


Blanche Dubois, personagem principal da peça Um bonde chamado Desejo (1947), do dramaturgo americano Tennessee Williams (1911-1983), é uma mulher que sofria nos anos 40 de um mal que hoje chamamos de depressão profunda, com episódios extremos de fuga da realidade. Blanche é uma mulher madura, viúva (o marido se suicidara muito cedo), enfrentando graves problemas financeiros e que, por tudo isso, não suporta ser quem é. É uma mulher que vive, basicamente, do passado - quando era jovem, cobiçada, frequentava grandes rodas sociais, e podia ostentar sua beleza e a riqueza das fazendas do Sul dos Estados Unidos, onde nasceu. No tempo presente da peça, esse tempo se foi há muito. E o que Blanche procura, no inicio da historia, é um lugar onde ela possa ao menos fingir que tudo está exatamente como antes.
Esse lugar, ela decide, é um suburbio de New Orleans - mais precisamente, o apartamento onde a sua irmã mais nova Stella mora com o marido Stanley Kowalski - um homem de origem estrangeira, sem nenhum refinamento, operário, urbano - ou seja, o oposto completo de Blanche. E o que dizem mesmo dos opostos?
Por outro lado, Blanche não aceita como uma mulher com a educação que Stella recebera consegue se relacionar com um homem em estado bruto, como Stanley. Ao mesmo tempo, Blanche se ressente do fato de que a irmã seja capaz de encontrar a felicidade se adaptando a uma realidade que ela, Blanche, despreza. Mas o fato é que, com todo seu chauvinismo, Stanley nutre por Stella uma paixão animalesca, um desejo que é recíproco e que parece ser a única coisa que o casal tem em comum.
Um bonde chamado Desejo é, portanto, uma porta de entrada para várias vertentes. É a metáfora do desejo reprimido entre os cunhados Blanche e Stanley; é o símbolo do transporte principal de New Orleans na época retratada na peça; é o caminho escolhido por Blanche até o seu desejo de manter aparências; e é, literalmente, Desejo, o nome do bonde que leva Blanche Dubois à casa dos Kowalski. É tudo muito bem emaranhado por Williams - o passado nebuloso de Blanche, o seu estranhamento com um ambiente completamente diferente do seu e sobretudo, o misto de atração e incompatibilidade entre ela e o marido da irmã. Tudo contribui para que a carência emocional de Blanche evolua cada vez mais - levando-a cada vez mais para longe da realidade.
No seu delírio, Blanche decide que ainda é rica, e quer ser tratada como uma senhorinha sulista - refeições na bandeija, amabilidades, água quente, banhos demorados e drinks, muitos drinks. Como consequencia de sua ansiedade e mais, para não ser obrigada a enxergar a propria realidade, Blanche se mantém cada vez menos sóbria. Coloca um papel quebra-luz na forte lâmpada da sala dos Kowalski. E quando Blanche conhece Harold Mitchell na casa dos Kowalski, prefere aparecer para ele à meia-luz para disfarçar as marcas da idade no rosto. Afinal, Mitchell passa ser uma esperança quase real de Blanche não acabar completamente só.
Há ainda Shep Huntleigh, autor de cartas de amor que Blanche afirma receber, e que poderá resgatá-la a qualquer momento, casar com ela. Acima de tudo, Shep é o homem perfeito: rico, refinado, apaixonado. E Shep também não existe. É parte da ilusão de Blanche. "Eu não quero realidade, eu quero magia", ela diz. A inadequação ao mundo novo, isto é, à correria da cidade, ao trabalho árduo, aos imigrantes, e tudo mais que assusta a pobre moça do campo é mostrada por Williams de forma bastante contundente. E figura também como um dos fatores de stress para a depressao profunda de Blanche. Na mensagem sublimada de Williams, a transição do antigo para um novo radicalmente diferente pode ser profundamente traumatizante. E Blanche é concebida pelo dramaturgo para personificar um trauma extremo.
Stanley, nesse sentido, funciona como o contraponto ao mundo mágico de Blanche. Determinado a desmascará-la, Stanley descobre, por exemplo, que Blanche é algo como uma aristocrata falida, que trocava constantemente de par - ficava com qualquer um que pudesse sustentá-la. E que se tornou a fofoca do lugar onde morava depois que a sua vida amorosa tornou-se pública. Stanley expõe Blanche ao mundo real num confronto que é a cena mais enigmática da peça. Enquanto Stella está fora de casa, Stanley e Blanche tem um embate mítico - magia e realidade, delicadeza e rispidez, macho e femea. E o confronto acaba mal para Blanche - numa cena que é apenas aludida, o autor Williams dá a entender que Stanley estupra a cunhada. O escape erótico é a consumação de um desejo subentendido, ou uma tentativa de violentar a ilusão, de terminar de vez com um mundo que não existe mais?
De uma forma ou de outra, o final de Blanche Dubois seria o mesmo. Incapaz de viver no mundo real como ele se apresenta - e principalmente, incapaz de lidar com a extrema iniquidade macho-femea, representada na figura de Stanley - Blanche se aprisiona de vez no mundo particular que criara. Stella decide interná-la, e ao avistar o médico que a levará, Blanche diz uma das frases mais citadas da peça: "Quem quer que voce seja, eu sempre dependi da bondade de estranhos". Em função do seu estado psiquíco, nunca fica claro nem para a platéia nem para os personagens se o estupro aconteceu de fato. Mas a relação de mútua dependência entre Stella e Stanley nunca seria a mesma. E Mitchell, por via das dúvidas e conhecendo o gênio de Stanley, prefere se afastar do amigo.
Assim, o pecado de Blanche Dubois é o total descontrole de si mesma. Sem a capacidade de ser independente, e com um medo patologico da solidão, Blanche se coloca numa posição de extrema vulnerabilidade, e luta sozinha contra o mundo. Perde, é claro - a sua derrota é feia e muito provavelmente violenta. Mas é também uma derrota anunciada. Blanche Dubois é aquela mulher cuja presença é um desconforto, é uma lembrança para se esquecer. Seu desaparecimento, portanto, é o final esperado, para a preservação da realidade de todos os personagens. Na contramão do que disse C. S. Lewis no nosso epíteto, Blanche não aprende com a bruta experiência; para ela só resta o desejo, o sonho, e o ostracismo.





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