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PECADORES CONFESSOS...

quinta-feira, 29 de abril de 2010

A Pele (e por falar em Lolita...)

Em um lindo dia quente
vinha o lobo descontente
com as garras afiadas,
com a mente esfomeada;
e a boca de saliva
reclamava reativa
pela mata encarcerada;

Em seus olhos desfilava
os rebanhos, as manadas;
e o encanto dos primeiros
era a pele dos cordeiros
cujo cheiro o atiçava;
ah cordeiro, ele pensava
se não fosses um inteiro
me fazia alcoviteiro
para ti me insinuava...

mas enquanto viajava
pela chuva de palavras
eis que surge uma pracinha
e uma linda cordeirinha
que tomava a luz do sol.
e o lobo com seu rol
de escuras fantasias
esquecera a poesia
tamanha visão que tinha...

ah! cordeira inocente
já inundas minha mente
de belos sonhos vis;
os teus risos de anis
teu olhar, bela matreira
mais parece a feiticeira
dos meus tempos infantis...

Pois assim o lobo diz
Tal é a fome infeliz
que habita suas entranhas.
e armado de artimanhas
vai-se o lobo à pronta caça
mas eis que o que o ameaça
é um cordeiro de pele estranha...

...que fumando um chachimbo
do outro lado do limbo
avistara a cordeirinha;
e a caça vira rinha
entre o lobo marqueteiro
e a pele de cordeiro
lã de pura ladainha...

passa o luz do meio dia
e o sol da cordeirinha
já alcança o poente;
mas seus olhos inocentes
veem os lobos acirrados
e o que estava disfarçado
cai no chão inconsciente.

e o lobo então poeta
dera a caça como certa,
que vinha em sua direção;
mas no que lhe estendeu a mão
viu que o sangue lhe escorria
e que a caça lhe sorria
com sua vara de condão.

Ah! ninfa, que desastre!
minha vida tu roubaste
como um sonho destroçado
minha alma, meu pecado
afundado em beleza
só me resta a tristeza
de um amor desencantado. 

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sábado, 24 de abril de 2010

Mulheres que pecam n. 10: qual o pecado de LOLITA?

O romance em evidência neste post, Lolita, escrito pelo russo Wladimir Nabokov em 1955 é, à grosso modo, o diário de um pedófilo. A história é narrada de forma epistolar, em primeira pessoa, sempre do ponto de vista de um homem de meia-idade, escritor, condenado à morte por matar o amante da enteada de 12 anos, com quem estava romanticamente envolvido. A estrutura do romance lembra bastante o de Luciola, de Machado de Assis: há uma introdução de um personagem ficticio, que seria o editor do livro, explicando como teve acesso às cartas do condenado e como prometera divulgà-las apenas após a morte dele, e da menina envolvida. Em Luciola, temos uma amiga de Paulo esclarecendo que resolvera reunir as cartas dele num livro e explicando o motivo pelo qual resolvera entitulá-lo Luciola. No história de Nabokov, podemos dizer que Lolita é o pirilampo de Humbert – que é como se denomina o condenado.
Humbert começa a sua história explicando que sempre se sentira atraído por meninas pré-adolescentes. E que acredita que essa atração se deve – surprise, surprise – a um coito interrompido na infancia, quando ele e a menina tinham a mesma idade: 12 anos. Anabel, a Lolita original, morrera ainda criança, sem concretizar o desejo que a unira ao jovem Humbert. Desde então, ele diz procurar em todas as meninas de doze anos o ninfetismo de Anabel.



É um erro pensar que Wladimir Nabokov pretende justificar a pedofilia do protagonista por vias da psicanálise. Na análise biográfica anexa ao livro, explica-se que Nabokov considerava Freud um “charlatão”, e a psicanálise uma charlatanice. Assim, o fato de Nabokov adicionar um componente freudiano à construção da personalidade de Humbert só depõe contra o personagem – pois o torna um produto de um meio capaz de provê-lo de todo tipo de subterfúgio para que ele realize o seu fetiche doentio. Na ideia de Nabokov, é mais fácil dizer que um pedófilo é fruto de trauma, de uma anormalidade qualquer, do que admitir a pedofilia como herdeira direta e marginalizada de uma prática social antiga. A famosa “ovelha negra” da familia. De fato, temos que considerar que a ciencia e a religião são constantemente deturpadas para fins nada benéficos. É tanto assim que na forma atual, se forem pegos, homens como Humbert sempre podem alegar privação de sentidos – ou tentar dividir a responsabilidade com o sujeito aliciado.
A psicanálise, portanto, não humaniza o pedófilo de Nabokov. Mas, estranhamente, o trabalho de humanização do personagem se dá através de suas memórias – quando ele efetivamente começa a descrever o seu relacionamento com a jovem Dolores Haze, aliás Lolita. E aí entramos no grande dilema: quem era afinal, Lolita? Será que podemos confiar na descrição de Humbert? Afinal, o olhar deste personagem sobre a menina está dotado de absoluta parcialidade, pois ele já se confessara atraído sexualmente por ela. Não estaria Humbert fornecendo uma deturpação – consciente ou não – da figura de Lolita, julgando-a exageradamente provocativa, para justificar seu destempero?
É nossa idéia a de que, quando lemos o romance, temos que considerar a complexidade da perspectiva desenvolvida pelo narrador-personagem, o condenado Humbert. Pois Humbert não apenas confessa sua atração por Lolita – ele confessa tambem o seu amor. Ou o que o personagem entende por amor – que corresponde claramente ao amor de um pré-adolescente, que não teve uma iniciação sexual comum a meninos dessa idade. Nós, que acreditamos que a psicanálise tem fundamento, temos que considerar que esse trauma inicial pode ter funcionado como gatilho para uma disfunção sexual que leva o personagem a se sentir atraído apenas por sujeitos que o lembrem daquela que ele não teve. Anabel, a ninfeta original. Embora no inicio do romance, o proprio Humbert descarte essa possibilidade – admitindo, claramente, uma opção romantica por ninfetas – sabemos que a negação faz parte de um processo de des-patologização do personagem. Em outras palavras, Humbert se recusa a enxergar a sua opção como doença.
Temos que considerar, portanto, que o olhar que Humbert lança sobre Lolita não é apenas a de um homem com uma tara sexual, mas de alguem que prefere se relacionar com meninas dessa idade, mas que sabe que essa opção não é aceita com naturalidade pelo seu meio social. Alguém cujo conflito interno é intenso, alguém atormentado pelo desejo de ser fiel a si mesmo, e pelo medo de ser marginalizado. Para um homem assim, não é tão fácil mentir. A complexidade do olhar de Humbert vai além da mentira. É um olhar romântico, é a sua tentativa de dar uma forma menos grotesca ao sentimento que o unia à Lolita. Na parte introdutoria, essa forma oscila entre o desejo de se redimir e a vontade de se justicar perante um sociedade que já o condenara por outro crime. Mas, a partir do momento em que Humbert descreve as suas lembranças, fica claro que a forma da narrativa é o romance típico. Para o personagem, não é a narrativa de um crime, e sim de uma história de amor. E isso pode contribuir para formamos a nossa ideia de quem foi Dolores Haze – e em consequencia, qual teria sido, afinal, o seu pecado.
Ao iniciar suas memórias, descobrimos, por exemplo que Humbert nunca tinha se envolvido romanticamente com meninas, antes de Lolita. Seu envolvimento era mental, se atinha ao apelo visual. Humbert pondera que nem todas a meninas de 12 anos são ninfetas; existem aquelas que são apenas crianças. E existem aquelas cuja sexualidade se aflora precocemente – essas são as ninfas, na visão do personagem. Humbert se dizia capaz de reconhecer as ninfas à distância. Ele tinha total empatia com elas, admirava suas formas, mas era só. Até que ele conheceu Lolita.
Lolita era linda, tinha a idade certa, tinha a brejeirice e o encantamento de uma ninfa típica. E usava sua sexualidade como um brinquedo, ou uma descoberta. Isso é o que podemos inferir com certeza da descrição de Humbert. Lolita não era diferente de nenhuma das meninas de sua idade – pelo menos daquelas que já tinham uma certa consciencia de sua sexualidade. Lolita usava batons da mãe – que na época do romance eram vermellhos – borrava as unhas com esmalte, e gostava de provocar os meninos. Tinha uma atração especial pelo teatro e cinema, e pelos artistas. Adorava revistas, pirulitos, chicletes e óculos de gatinho. E afinal, que mal há nisso?
O mal, como podemos concluir, está no poder. Ou na ciencia de se ter poder. Lolita, além de tudo, era esperta. Percebeu imediatamente a influencia que exercia sobre Humbert e se envaidecera disso, como aconteceria com qualquer menina de sua idade. Toda garotinha já se “apaixonou” por alguem mais velho. Não era o caso de Lolita. Ela queria provocar, insinuar, brincar de deusa. Só escolhera o homem errado. Não podia imaginar que Humbert a levaria a sério. O discernimento ainda não era o seu forte, mas deveria ser o de Humbert.
A iniciação sexual de Lolita foi como a de toda garota de sua idade – precoce, mas “normal”. Num acampamento de férias, com garotos e garotas da mesma idade. Um exercicio de descoberta do sexo, da maneira de fazer ou de entreter com o sexo. A iniciação que Humbert não teve. E ele faz questao de frisar isso, após descrever a sua primeira relação sexual com Lolita: “Senhoras e Senhores do júri, eu nem fui o primeiro homem da vida dela”. O que quer dizer que, para Lolita, Humbert era um brinquedo como outro qualquer. Como qualquer menina de 12 anos, ela não tinha a exata medida do ato que cometera, ela apenas queria exercer o poder que sabia que tinha sobre Humbert.
Há ainda o contraponto de Lolita – a mãe dela, Charlote Haze: uma mulher madura e solitaria que se mantém em patamar de competição com a filha. Charlote se apaixona à primeira vista por Humbert e consegue convencê-lo a casar com ela – o que ele prontamente aceita fazer, apenas para ficar perto de Lolita. Então, além de corrupção de menor, Humbert ainda praticaria incesto – já que, do ponto de vista legal, ele é co-responsável por Lolita. Após a morte de Charlote – que sofre um acidente ao descobrir o verdadeiro objeto de desejo do marido - Humbert se coloca em posição de ataque – mas quem ataca, na verdade, é Lolita.



Para Lolita, Humbert representa um objeto de manipulação e de ódio. Lolita institivamente responsabiliza Humbert  pela morte da mãe – o que não deixa de ser verdade. Ao mesmo tempo, Lolita considera que Humbert se aproveita do fato dela não ter mais ninguém para impor um envolvimento sexual entre os dois. Lolita enxerga o seu envolvimento com Humbert como uma paga, um favor sexual – em troca, ela o explora como pode. Esta reversão dos sentimentos de Lolita em relação ao padrastro pode ter a ver com a gradativa conscientização do erro que cometera ao escolher brincar com Humbert – mas também, pode significar o abandono de um brinquedo em favor de um sentimento real – o amor bandido pelo produtor teatral Claire Quilty, que representa a desculpa perfeita para Lolita fugir de Humbert.
Claire Quilty não é santo. É um homem acostumado a aliciar meninas para fazer filmes eróticos. Mas Lolita se apaixona por ele, e abandona Humbert. Até o final do livro, Lolita professa que Quilty foi o único amor de sua vida. Talvez por isso, Humbert decida matá-lo a tiros.
No final da historia, há a redenção de Humbert. Depois de anos procurando por Lolita, Humbert recebe uma carta da enteada, pedindo ajuda financeira. Ele vai até ela, e a encontra totalmente destituída do encanto da ninfa que um dia conhecera. Já maior de idade, a Lolita que Humbert encontra usa roupas de chita, pobre, míope, e grávida do atual marido, um jovem trabalhador com quem Humbert troca poucas palavras. Mas mesmo assim, Humbert a quer de volta. Embora plenamente consciente de que a ninfeta não existe mais, de que a menina se fora – Humbert não se envolvera com nenhuma outra ninfa: ele queria apenas e exclusivamente Lolita. Ele proprõe que ela volte com ele, mas Lolita se recusa. Diz que se fosse voltar para alguem, voltaria para Quilty, a quem amou de verdade. Lolita amadurecera. E Humbert, mesmo assim, ainda a amava.
Humbert deixa o dinheiro que Lolita pedira e sai para matar Quilty. Eles nunca mais se veem. Lolita morre no parto de sua filha. E Humbert morre na prisão, antes de cumprir sua pena capital. Humbert morre com a plena consciencia do que roubara de Lolita – a sua infancia. Não se arrepende de tê-la amado, mas de não tê-la esperado. É  a culpa de suas proprias escolhas que o faz cometer o crime que o condenou. A ausencia de Lolita a seu lado. E principalmente, a ausencia de Lolita nas brincadeiras de roda, dos pula-corda, dos coros da igreja.
Ao morrer, a Lolita de Nabokov torna-se portanto, um mito. Um fetiche. Um exemplo. A menina que de inocente não tem nada – mas que ainda assim, é inocente. A precocidade sexual de Lolita, o seu ardil, a sua sapequice – nada justifca a atitude de Humbert. Ao final da narrativa, ele se dá conta disso. Mas Lolita não voltaria mais. E sua ambiguidade menina-mulher seria sempre o seu pecado, e o seu castigo.

*Vídeos: "LOLITA" (1997), versão para o cinema protagonizada por Jeremy Irons e Dominique Swain. Incorporados do youtube.

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Reflexão

paleta
Pessoas são aquarelas
e suas paletas, sequelas
de cores diferentes;
são borras crescentes
escorridas de tempestades,
de arco-iris; e, de repente
uma pintura de gente
em tons de ambiguidades..
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Em homenagem ao Santo Guerreiro, a frase do dia é...

sao_jorge_fundo_preto


Fairy tales do not tell children
the dragons exist. Children
already know that dragons
exist. Fairy tales tell children
the dragons can be killed.

(Traduzindo: “Os contos de fada não ensinam as crianças que dragões existem. As crianças já sabem que dragões existem. Os contos de fada dizem a elas que os dragões podem ser mortos”)
G.K. Chesterton, escritor e poeta inglês



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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Aniversário de Shakespeare - Eventos

No mês de abril nós, amantes da arte, celebramos a vida e a morte do maior dramaturgo da história - William Shakespeare (23 Abr 1564 - 23 Abr 1616). Destaco aqui dois eventos organizados em homenagem a Shakespeare:

Mais informações, clique aqui.



Mais informações, clique aqui.

Sobre este ultimo evento eu já tinha comentado alguns posts atrás. Na abertura do evento, hoje às 17:30hs, será lançado o sétimo número Revista Scripta Uniandrade, com o dossiê "Releituras de Shakespeare", onde estará publicado o artigo Mulheres sem pecado: discurso misógino e a tragédia do feminino em Otelo, de William Shakespeare, de minha autoria.
Quem tiver perto desses eventos, divirtam-se! É cultura por baixíssimo custo.

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quarta-feira, 21 de abril de 2010

No próximo MULHERES(??) QUE PECAM


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AN PASSANT: Mulher Carioca

Olha que linda essa homenagem às mulheres cariocas, um soneto bem no clima do Mulheres que Pecam. Para le-lo, clique no link acima da foto::




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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Se você peca, então me diga..


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domingo, 18 de abril de 2010

Mais uma lista literária...

Na esteira das 10 mais..., o blog abaixo listou as 10 personagens mais safadinhas da literatura mundial. Embora a abordagem aqui do blog tenda mais para a análise psicológica das personagens e sua contextualização social, as personagens listadas são bem interessantes. De novo, algumas já deitaram no nosso divã. Mas há algumas outras que não havia ainda pensado em analisar aqui. Vale a conferida no link abaixo:

http://listasliterarias.blogspot.com/2010/02/as-10-personagens-mais-safadinhas-da.html

Em tempo, vale a pena checar o arquivo deste blog, tem outras listas bem interessantes...
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sábado, 17 de abril de 2010

Esperança, jogue suas tranças!!!

"Mulher lendo" - Bottero


Esperança tinha os olhos verdes e longas tranças nos cabelos. Era como a princesa na torre, com um eterno sorriso, a voz doce de cantada, olhando sempre o horizonte e esperando, esperando...

Andava sempre trocando as pernas, como que tropeçando no próprio peso. Ah, sim, Esperança tinha um peso enorme para carregar. Era muito alta e forte e, por isso mesmo, desengonçada. Era sempre a última a chegar a qualquer lugar.

Estava a Esperança um dia consigo mesma, embaixo da frondosa macieira no jardim. Ela pensava que há muito ninguém a procurava. Pensava e voava com o pensamento, junto com os pássaros. Não sentia o tempo, nem a solidão. Esperança tinha aprendido que meninas grandes, pesadas e atrapalhadas ficavam muito tempo sem ninguém em volta. Não se lembravam delas até que precisassem muito, ou até que não tivessem mais nada em que se apoiar.

Mas Esperança era grande por fora e por dentro. Tinha sempre lugar para as outras pessoas. Era sempre alegre, tinha o dom de apaziguar. Parecia saber que um dia após o outro, vários outros, vários dias e meses, não eram suficientes para afastar todo mundo dela. E que mais tarde ou mais cedo, alguém acabaria batendo na porta.

Então naquele dia embaixo da macieira, Esperança ouviu um barulho. As batidas de sempre, sempre que as ouvia: apressadas, e com muita força. Por que as pessoas precisam ser tão impacientes?, pensava.

"Tô indoooooooo...", gritou; e lá se foi Esperança, caminhando no seu tempo de moça que espera o mundo. A cada passo as batidas pareciam exasperar. Era um longo caminho o da Esperança, e servia sempre para fazer as pessoas ficarem nervosas mas, ao mesmo tempo, elas pareciam descontar todo o nervosismo na sua grossa porta de madeira.

Quando abriu a porta, levou um susto. A mulher estava mesmo num péssimo estado. Parecia cansada de tanto bater. Parecia ter perdido muita coisa.

"Nossa, o que houve, moça?"

"Minha casa ruiu. Foi terra e lixo abaixo. Minha família, meus moveis, minha vida, deslizou...deslizou terra abaixo."

Esperança queria saber chorar. Mas sempre foi lenta de emoções. Na falta de lágrimas, fez o que sabia fazer: estendeu a mão.

"Venha, vamos comer alguma coisa."

A mulher entrou como quem entra no nada. Tinha nos olhos um vazio imenso, um imenso espaço faltando entre os poros. Ou pelo menos era assim que Esperança a enxergava. Tinha que trazê-la de volta.

Era um longo caminho até a casa, e Esperança chegava devagar. A mulher também não tinha pressa, porque não tinha aonde ir. Então, Esperança a fez falar.

"Nunca tive muito. Mas meu marido, meus três filhos eram tudo ‘pra’ mim. Faço bicos em casa de família, e meu marido trabalha...(engole seco) trabalhava em obra. A gente ia vivendo. Até ontem. Eu ‘tava’ vendo televisão na sala, e escutava de longe a bagunça ‘dos menino’. Aí, de repente... não deu tempo de nada. O barulho era muito forte, levei um susto e corri pra porta que tava aberta. Na hora, não pensei, mas aí, eu olhei pra trás...não tinha nada. Minha casa,meus filhos,minha vida inteira...não sobrou nada."

A mulher chorava e Esperança só ouvia. Depois de um tempo, o choro secou, a voz calou. Tinha acabado. E também tinham chegado à porta de casa.

Calmamente, Esperança disse: "Entre".

A mulher entrou.



O tempo que eles levam na casa varia muito. Por muitos dias, Esperança os deixa a sós. É preciso deixá-los caminharem com as próprias pernas, sem a muleta da Esperança sempre por perto. É preciso apenas apoiá-los se estiverem prestes a cair; se não, devem se sustentar por si mesmos.

Esperança sempre os arranjava trabalho. A mulher limpava a casa, lavava, passava. Esperança fazia questão de pagar. Era uma questão de dignidade.

Quando estava só, a mulher chorava seus queridos. Ela sempre o faria. Esperança não podia mudar isso. Mas podia ajudá-la a ocupar o tempo, o corpo, a mente...levantar.

Depois de algumas semanas – poucas ou muitas, quem sabe meses – a mulher resolveu ir embora. Tinha parentes em outro canto, e agora tinha como alcançá-los. Ela ainda não sorria. Mas andava com passos firmes, em direção à saída. A sua saída.

Esperança sempre os acompanhava até o portão. Gostava de ouvir os planos, os sonhos, a saudade...tudo o que traziam e tudo que levavam.

De forma que quando iam embora, sempre deixavam um pouco de si pra trás; e em troca, levavam sempre um pouco de Esperança com eles.

Então naquele dia (depois de algumas semanas), a mulher saiu resoluta, um passo após o outro, e olhando pra frente. Missão cumprida.

A Esperança?

Voltou para o seu enorme jardim, naquele mesmo compasso de espera, com aqueles mesmos olhos de paisagem. Tinha prometido a si mesma que seja quem fosse para quem abrisse a porta, abriria com prazer, tanto para entrarem quanto para saírem. Abriria e fecharia sempre, quantas vezes fosse necessário, para todas as pessoas. Até o dia, pensou sorrindo, que abrisse a porta para si mesma. Mas isso, ela também já tinha se prometido, só aconteceria quando ela já tivesse aberto a porta para todo mundo. Esperança era sempre a última a chegar – e seria também a última a sair.


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PARA QUEM TEM TV POR ASSINATURA...

O canal a cabo AXN exibe hoje no seu Double Pack dois filmes baseados na obra da escritora inglesa Jane Austen (1775-1817): Orgulho e Preconceito (1813) e Razão e Sensibilidade (1811). São muitas Mulheres que Pecam juntas! Falaremos sobre elas qualquer dia aqui no blog...



Orgulho e Preconceito (2005)
Canal AXN
19:00 hs (neste momento!)
horário de Brasília






Razão e Sensibilidade (1995)
Canal AXN
21:30hs
(horário de Brasília)
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sexta-feira, 16 de abril de 2010

Olha o que eu achei...

Estava eu pesquisando na internet, quando de repente encontro um site com a seguinte abertura:


Coincidências...não procurava especificamente por Virginia Woolf, mas a ideia na citação cabe perfeitamente na ideia por trás de Mrs. Dalloway. Então achei pertinente postar.

 Este site é de um grupo de estudos sobre escritoras femininas. Mulheres que escrevem sobre mulheres, e que as situam no contexto abrangente da sociedade.
Tem trabalhos bem interessantes publicados (muitos deles escritos por ex-professoras minhas). Quem tiver curiosidade basta clicar aqui.


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quarta-feira, 14 de abril de 2010

pintura_pessoas_Erotico

vem, bate a porta

e arranca todos os vestidos

todos os suspiros

todos os olhares

toma todos os lugares

enquanto respiro

todos os sentidos

me acorda

e me encaixe

no teu desejo

no teu beijo

me relaxe

faça de todos os jeitos

me aperta no teu peito

me invade...


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terça-feira, 13 de abril de 2010

Mulheres que Pecam n.9 - Mrs Dalloway

Como explicar Mrs Dalloway? O romance de Virginia Woolf publicado em 1929 é uma ode à fragmentação do indivíduo. É composto de vários pontos de vista, oriundos de diferentes personagens, como também de vários pontos de vista oriundos do mesmo personagem. Perspectiva, fluxo de consciência, fragmentação de individualidades ressentidas da própria existência – tudo isso pode ser encontrado neste intricado trabalho escrito pela não menos intricada V. Woolf.

Em seu romance ambientado na Londres pós-1a. Guerra, Woolf se propõe, à grosso modo, a descrever um dia na vida de uma mulher de meia-idade, casada, mãe, profundamente entendiada e deprimida – como dissemos, ressentida da própria individualidade. Esse acompanhamento do dia de Mrs. Dalloway é feito através de seus olhos, mas principalmente através de sua mente – o que lemos é sempre a descrição de seu fluxo de consciência, de seu pensamento – como também o de outros personagens.

No inicio da história, Clarissa Dalloway vai dar uma festa, e sai à rua para comprar flores. A impressão inicial é  de que se trata de mais uma dona de casa de classe alta, acostumada aos grandes ciclos, cumprindo fiel e alegremente seu papel social. Mas não é bem assim. Ao sair pelas ruas de Londres, Clarissa se sente livre para deixar o pensamento fluir - o pensar que não combina com a sua casca de esposa alienada. Aprendemos ao ter acesso ao seu fluxo de consciencia que Clarissa Dalloway é uma mulher capaz de questionar as próprias escolhas, e ao mesmo tempo tentar justifica-las. Em outras palavras, adequar-se, ser parte de algo. É uma mulher que vive do que era antes, mas que deseja desesperadamente um hoje, uma vida presente. Já no primeiro capítulo, esse ressentimento de Mrs Dalloway fica bastante claro:

“Ela tinha essa sensação estranha de ser invisível; de não ser notada; de não ser reconhecida; agora não havendo mais casar e ter filhos, apenas esse acompanhar fascinante e solene de seus progressos pela Bond Street, esse ser a Sra. Dalloway; nem ao menos Clarissa; apenas a Sra. Richard Dalloway.” (p.13)

Observamos neste ponto que na sua mente a protagonista tem duas individualidades: a Sra. Dalloway, ou a sua máscara social, aquela que todos olham apenas superficialmente, como olham um ser ou objeto que é parte de um determinado ambiente; e Clarissa, o seu eu verdadeiro, intenso, cheio de contradições e desejos, que gostaria de ser reconhecida, valorizada por si mesma. Clarissa vive da memória de quando ainda se expressava, na juventude. São apresentados aos leitores os jovens Clarissa, Richard, Sally Seton e Peter Walsh. Descobrimos que a jovem Clarissa experimentou a paixão pelo impulsivo Peter e a atração sexual pela descolada Sally - mas optou por se casar com o conservador Richard, e naquele momento, a protagonista sente ter abdicado de sua individualidade primeira, para assumir uma personagem, uma versão artificial de si mesma. No momento retratado no romance, Mrs. Dalloway reflete sobre as próprias opções, enquanto anda pelas ruas londrinas.

O mais desgastante para Mrs. Dalloway é que ela não pode consolar a perda da sua individualidade na formação da personalidade da filha Elizabeth – sua filha é o anti-retrato, aquela que se opõe a ela sob todos os aspectos. Elizabeth ´não se preocupa com a aparencia, é de algum modo reativa, condescendente. E ainda tem uma relação de profund admiração e subserviencia com Miss Doris Kilman - o que nos parece é que na cabeça de Mrs. Dalloway não está clara a extensão da amizade entre Elizabeth e Doris, que é filiada aos comunistas, subversiva, rebelde. O comportamento de Doris Kilmam tem um efeito devastador sobre o indivíduo Clarissa, que parece invejar a disposição da jovem em ser o “monstro”, o objeto de alienação da sociedade, o que é algo que Clarissa não possui. Por isso mesmo Mrs Dalloway afirma que “num outro jogar de dados, se o preto se transformasse em branco, ela teria amado Miss Kilman! Mas não neste mundo.” (p. 15). A percepção do “monstro”, a ideia de desenquadramento, é o que mais assusta Mrs. Dalloway:

“Assutava-se, entretanto, de ter sempre esse monstro brutal cercando-a! (…) nunca estar satisfeita, ou completamente segura, porque a qualquer momento o bruto estaria rodando, o ódio que, especialmente depois da sua doença, teria o poder de fazê-la sentir-se recortada, ferida na espinha; deu-lhe uma dor física, e fez com que todo seu prazer na beleza, na amizade, em estar bem, em ser amada e fazer um lar agradável, sólido tremesse, e envergasse como se tivesse mesmo um monstro cavucando suas raízes, como se ela só se satisfizesse com amor próprio! Esse ódio!” (p. 15)

É interessante notar que em Mrs. Dalloway a personalidade individual vive em constante conflito com a sua persona social, que ela insiste em dar consistência. A natureza do seu pecado é ambígua: há o pecado contra si mesma e o pecado contra o meio, contra o mundo que a cerca e que passa diante de seus olhos. Clarissa peca porque não tem coragem de renunciar à Mrs. Dalloway; Mrs Dalloway peca, porque não consegue exorcizar Clarissa.

Essa fragmentação é o grande questionamento do livro, presente tanto em Mrs. Dalloway, quanto em outro personagem, que na nossa concepção funciona como seu duplo – o veterano de guerra Septimus Warren Smith, antes poeta e idealista, torna-se gradualmente afetado por severo estresse pós-traumático, que o leva a níveis profundos de depressão e inadequação ao mundo que o cerca. Septimus questiona-se de maneira assustadoramente igual à Clarissa, as suas insatisfações são um espelho das da protagonista. A diferença é que Septimus não controla suas individualidades com a mesma destreza que Mrs Dalloway – enquanto Clarissa mantém uma máscara social, Septimus se mostra cada vez mais agressivo, descontrolado, inconformado com o mundo. A manutenção das aparências é uma preocupação de sua esposa, Lucrezia Smith, que procura tratamento para o marido e isola-o da vista das pessoas. Mas a atitude de Lucrezia não surte o resultado esperado – Septimus não consegue conciliar sua individualidade transgressora com o mundo a sua volta e comete suicídio.

Enquanto Septimus se deixa dominar pelo “monstro” que assusta Mrs Dalloway, esta consegue dominá-lo, encontrando um equilíbrio entre a sua individualidade e a sua necessidade de pertencer. Em “As Horas” (2002), filme do qual falamos antes - embora com certas diferenças nas relaçoes entre os personagens - esse final também é respeitado, isto é, o poeta se suicida e Clarissa Vaughan consegue equilibrar sua vida. O livro termina com a reunião dos três rebeldes – Clarissa, Peter Walsh e Sally Seton. É a festa que Mrs Dalloway estivera preparando durante todo o dia. Sally e Peter estão sentados na sala, esperando Mrs. Dalloway. Lembranças da juventude e do momento em que Clarissa trocara Peter por Richard povoam essa espera. Sally circula e conversa com as pessoas, enquanto Peter não esconde a ansiedade em reencontrar Clarissa. As frases finais do livro, o momento do reencontro, merecem citação:

“Eu já estou indo, diz Peter, mas ele sentou por um momento. O que é este medo? O que é esse extase?, ele pensa. O que é isso que me enche com tamanha excitação?
É Clarissa, ele diz
Porque lá estava ela.” (p. 213)

Diante do impasse que se desenvolve durante todo o livro entre as personalidades de Clarissa e Mrs Dalloway, o fato de Peter Walsh olhar a protagonista e chamá-la “Clarissa” é bastante sugestivo. A ultima frase do romance sugere que ela estava lá, Clarissa estava lá, e não apenas Mrs Dalloway. Ao menos Peter era capaz de identificar ambas, numa só carne. Clarissa, finalmente, não precisava desaparecer; ao contrário, ela é a consistência que faltava à persona de Mrs Dalloway.

A intensidade de Clarissa e a serenidade de Mrs Dalloway, em constante combate, encontram um meio de coexistir, para benefício mental da protagonista. Septimus Warren Smith não teve a mesma sorte. Peter Walsh, de certa forma, permanece marginalizado pela sua impulsividade, mas é bem recebido pelos amigos. Sally Seton se torna, como Clarissa, uma mulher casada e mae de filhos. Mas Sally não tinha se frustrado de nenhuma sensação, a não ser é claro o desejo pela amiga - que era algo mais platônico, subentendido, e portanto, nao chega a ser uma frustração. E Clarissa? Fechou-se, viu o tempo passar, lutou contra si mesma; mas não escolheu a morte, nem o sacrificio de sua individualidade; de algum modo, ela sabia que devia celebrar: o tempo, o que passou, o que ela era no presente. Naquela noite de festa, ao descer as escadas, ela tinha mais que nunca uma identidade. Como Peter bem lembrara, ela era Clarissa. E lá ela estava: Clarissa Dalloway.

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domingo, 11 de abril de 2010

15 (Female) Literary Characters We'd Totally Sleep With

Este é um artigo de novembro de 2009 sobre 15 personagens femininas com as quais o autor iria para a cama. Bem no espírito do Mulheres que Pecam: reparem que grande parte das personagens da lista já foram citadas neste blog - e outras ainda serão. Mesmo que voce não entenda ingles, vale a pena dar uma olhadinha no link abaixo:


15 (Female) Literary Characters We'd Totally Sleep With
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RESULTADO DA ENQUETE!

No resultado da nossa segunda enquete, deu Machado de Assis. Então logo após as nossas pecadoras da literatura mundial, estarei escrevendo sobre Machado – e com alegria, pois se trata de um de meus autores favoritos.

Ajudem-me a escolher a personagem  feminina de Machado que voces gostariam de ler sobre neste blog. Enviem sugestões através da seção de comentários deste post. Escolherei as duas mais votadas para os artigos.

Obrigada de novo pela participação!


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sábado, 10 de abril de 2010

Para falar de Mrs. Dalloway, vamos lembrar de..

...As Horas

Indicado a nove Oscars, esse filme de 2002 dirigido pelo americano Stephen Daldry, tem seu roteiro baseado no livro homônimo escrito por Michael Cunningham - cuja historia é, exatamente, uma releitura de Mrs. Dalloway (1929), de Virginia Woolf.

O filme entrelaça a vida de três mulheres em três espaços de tempo muito distintos: a primeira linha de tempo se situa em 1929, retratando um período da vida da autora Virginia Woolf - na impressionante caracterização de Nicole Kidman (ela usou uma protese no nariz), que levou o oscar de melhor atriz pela atuação - enquanto ela escreve o romance Mrs.Dalloway e luta contra uma crise severa de depressão. A segunda linha de tempo se passa em 1951 retrata a vida da dona de casa Laura Brown (Julianne Moore), ardente leitora do livro de Woolf, e que possui uma crescente inquietação com a monotonia do seu casamento e a falta de sentido em sua vida - identificando-se portanto com a protagonista do romance. A terceira linha de tempo se passa nos anos 2000, e mostra a vida da editora de livros Clarissa Vaughan (na interpretação da maravilhosa Meryl Streep), homossexual e mãe de uma filha, que tenta desesperadamente salvar a vida de uma grande paixão da adolescencia, o poeta Richard Brown (Ed Harris), que está morrendo de Aids. A relação desta personagem com o livro de Woolf? Já no inicio do filme, percebemos que Vaughan é, na verdade, a versão moderna e "de carne e osso" da protagonista de Mrs. Dalloway, Clarissa. A coincidencia entre os nomes das duas personagens não é gratuita.

Dessa forma, temos a autora, a leitora e  principal personagem do livro Mrs. Dalloway interagindo de forma insólita, pois estão situadas em periodos de tempo completamente diferentes. Essa interação ocorre da seguinte maneira: cada vez que Woolf escreve um trecho do livro, este é lido e absorvido imediatamente por Laura Brown e vivido por Clarisse Vaughan. E existe ainda o fato de descobrirmos no decorrer da história que Laura Brown é a mãe do poeta Richard - que ele é o garotinho que aparece do lado dela em 1951, e que ela deixou o marido e os dois filhos (Richard e sua irmã mais nova) pouco depois. O suicidio de Richard coincide com a decisão de Woolf de matar um personagem de seu livro, sugerindo a associação entre o Richard e o Poeta sem nome que se atira de um prédio em Mrs. Dalloway. O filme é bem escrito, intrincado e por isso mesmo, muito interessante.

Não espere ação nem efeitos especiais. As Horas é um filme de reflexão, de detalhes, e é muito melhor compreendido para quem já leu o livro Mrs Dalloway. Quem tiver curiosidade literária, deve assistir...



Aliás, um ponto em comum entre as personagens sobre as quais vamos falar é que todas elas ganharam versões cinematográficas. Mais adiante apresentarei para voces as versões para o cinema de Abigail Williams, Blanche Dubois e Lolita.

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terça-feira, 6 de abril de 2010

Para quem curtiu as Mulheres de Shakespeare...

Vai acontecer em Curitiba/PR durante este mês a 5a. Edição do ABRIL DE SHAKESPEARE, um congresso que inclui palestras, mini-cursos, venda de livros sobre o autor, etc. Uma das obras a serem lançadas no evento é a revista Scripta Uniandrade - Releituras de Shakespeare, a qual incluirá um artigo desta que vos fala. Em breve postarei aqui a programação e o banner do evento. Para quem mora em Curitiba ou tem como ir até lá, vale a pena. Em tempo: o evento ocorre anualmente no mês de abril porque este é o mês de nascimento de Shakespeare.

Claudinha Monteiro

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domingo, 4 de abril de 2010

ALICE


Sempre teve um jeito triste de olhar a vida. Um jeito de despedida. Quando era criança, jogava pedras nos passarinhos, arrancava o mato das calçadas. Detestava bonecas, enforcava todas com a corda de pular.

A mãe dizia que ela tinha uma coisa. Nunca disse o que era. Uma doença, uma quimera. Um castigo. A mãe não prestava pra muita coisa então nunca se importou muito. O pai vivia rindo. Bebia, jogava perdia, ganhava...e ria, quase todo o tempo. Daquela casa torta, só gostava dos espelhos. Gostava de treinar seus olhares: felicidade, pena, tristeza, paixão, alegria. Ás vezes, imaginava-se entrando dentro deles. Seria mais feliz consigo mesma?

Não tinha jeito. Só aquele que era o fim de tudo. A primeira vez era muito jovem. Não se lembra bem. Era um homem velho, infeliz, e ela disse que precisava do dinheiro. Mas ele nunca tinha tido uma mulher tão bonita antes, então...ficou por isso mesmo. Ela lhe fizera um favor, e com certeza ele morreu feliz. Para onde ele ia, não ia precisar de muita coisa...

A noite era um covil, uma jaula de todos os bichos. Podia fazer todo tipo de compras. Podia caçar. Era a melhor floresta... e ela estava lá, todos os dias.

Não lembra de quantos foram. Homens, mulheres, nunca fez diferença. Era só uma crença, um rito. Era um estágio de iniciação. Ela precisava do sangue, do pulso, da eletricidade. Não tinha quase nada. Era uma vida pela outra.

Não tem muita gente no mundo que entenda. Apenas três de cada cem, segundo as estatísticas. Mas ela não acredita muito em números. Aonde quer que esteja, há sempre um animal solto, ela pensa. Tinha uma casa, uma mãe, um pai, umas cinquenta bonecas, televisões, comidas, dinheiro...

E acabou num viveiro, numa casa de brigas. Estava cercada, a luz piscava muito lá fora, já estava incomodando...

Tinha ainda mais um número, mas esse só a polícia sabia.

Seus mortos...quanto seria?

Não queria saber. O copo já estava quase vazio. Bebeu o resto.

Era o dia.

Escutou o chute na porta... olhou em volta, achou o espelho. A vista já escurecia.

No espelho, o vidro brilha...

Era sua viagem, sua saída.

Do lado de dentro, só um grito:

_ Alice! Alice!

Era só o que ouvia...


Claudinha Monteiro (04/04/2010 - publicado também no Recanto das Letras)


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sexta-feira, 2 de abril de 2010

Resultado da Enquete!!!



NÃO TEVE JEITO. A nossa enquete sobre a proxima personagem feminina a ser discutida no blog terminou num rigoroso empate entre as 4 opções apresentadas. Assim, vou tentar (!) escrever um pouquinho sobre cada uma no decorrer desse mês. Só pra lembrar as opções foram: Sra Dalloway (livro homonimo), Lolita (livro homonimo), Blanche Dubois (Um bonde chamado Desejo) e Abigail Williams (As bruxas de Salém). Obrigada por participarem!

Mas, só para o blog não ficar parado, coloquei nova enquete aí na coluna da direita. Essa é mais democrática, além das opções tem um espaço pra voce escolher um autor que não esteja listado. Participe, quero ouvir voces...


Claudinha Monteiro

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quinta-feira, 1 de abril de 2010

Mulheres de Shakespeare Vol. IV - parte II - Ofélia



Nesta última parte das Mulheres de Shakespeare, estaremos discutindo a personagem Ofélia, por quem o principe Hamlet era apaixonado. A natureza do amor compartilhado por Ofélia e Hamlet é motivo de opiniões bastante controversas; há quem opine que houve relação sexual entre os dois - o que justificaria em certa medida o extremo descontrole emocional de Ofélia ao saber que Hamlet matara seu pai, Polônio. Na versão para o cinema dirigida por Kenneth Branagh (1996), que carrega a fama de ser a única que filmou a obra sem edições, foram incluídas cenas de sexo entre o casal. Embora estas cenas não constem do texto original da peça, permaneceram coerentes ao contexto que envolve o relacionamento dos personagens, com discursos sempre ambíguos, sugerindo um diálogo implícito. A tensão sexual entre os personagens, no entanto, é evidente - Como na cena em que Hamlet rejeita Ofélia ao perceber que ela se aproximara dele a pedido de Polônio e Gertrudes:

HAMLET: Se você é honesta e bonita, sua honestidade não deveria admitir qualquer intimidade com a beleza.
OFÉLIA: Senhor, com quem a beleza poderia ter melhor comércio do que com a virtude?

HAMLET: O poder da beleza transforma a honestidade em meretriz mais depressa do que a força da honestidade faz a beleza se assemelhar a ela. Eu te amei, um dia.

OFÉLIA: Realmente, senhor, cheguei a acreditar.

HAMLET: Pois não devia. Eu não te amei.

OFÉLIA: Tanto maior meu engano.
HAMLET: Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? Eu também sou razoavelmente virtuoso. Ainda assim. Posso acusar a mim mesmo de tais coisas que talvez fosse melhor minha mãe não me ter dado à luz.

OFÉLIA: Oh, céu clemente, ajudai-o!
HAMLET: Como você se pinta Deus te deu uma cara e você faz outra. E você ondula. Vai embora - chega - foi isso que me enlouqueceu. Prum bordel - vai! (Ato III.1)


Mesmo considerando que Ofélia e Hamlet não tenham se relacionado sexualmente, há que se pensar numa intimidade inadequada entre os dois, que renderia reprimendas do pai e do irmão da moça, Laertes:

LAERTES: Quanto a Hamlet e ao encantamento de suas atenções, aceita isso como uma fantasia. Não mais.

OFÉLIA: Não mais que isso?

LAERTES: Não mais; talvez Hamlet te ame, e não haja mácula ou má fé, só sinceridade nas suas atenções. Mas você deve temer, dada a grandeza dele, o fato de não ter vontade própria. (Ato I.2)

Ofélia, embora tímida e subserviente à família, demonstra uma certeza no sentimento de Hamlet que ultrapassa sua pretensa ingenuidade. Ela parece manter seu desejo de se relacionar com o príncipe, mesmo atentando para as recomendações do pai e do irmão - e aqui nos parece forçoso lembrar da inexistência da figura materna nessa família. A figura de Ofélia permanece fortemente oprimida por Polonio, Laertes e até o proprio Hamlet, quando a "aconselha" a internar-se num convento, para logo depois manda-la para um bordel (III.1).
A contraposição entre a vida religiosa e a mundana, sugerida na fala do príncipe, pressupõe que podemos esperar um certo "furor", uma tendência à transgressão por parte da jovem. Hamlet imediatamente considera que Ofélia é capaz de mentir, de "se pintar", ou seja, colocar uma máscara. Essa mesma contraposição pode nos dar uma ideia da conduta sexual da jovem, no sentido de contrapor a pureza inspirada pela imagem do convento - que é o se esperaria de uma jovem mulher na época - e a promiscuidade, a falsidade, e o desejo que se supõe na imagem do bordel. Quando sugere que Ofelia tem duas caras, quantas vezes exatamente Hamlet a vira mentir? Quando ele diz que a amou, para logo depois desmentir, qual exatamente a extensão do "engano" que Ofélia professa? Hamlet diz que prefere vê-la num convento do que como mãe de "pecadores", adjetivo no qual ele mesmo se qualifica. A conotação erótica no diálogo dos dois, agregada ao temor de Laertes com o "encantamento" do príncipe, pode nos fazer pensar numa intensa paixão unindo Ofélia e Hamlet. Paixão essa detectada inclusive pelo pai da moça, como veremos na cena abaixo:

OFÉLIA: Oh, meu senhor, meu senhor, que medo eu tive!
POLÔNIO: Em nome de Deus, medo de quê?
OFÉLIA: Bom senhor, eu estava costurando no meu quarto quando o príncipe Hamlet me surgiu com o gibão na cabeça, os cabelos desfeitos, as meias sujas, sem ligas, caídas pelos tornozelos, branco como a camisa que vestia, os joelhos batendo um conta o outro e o olhar apavorado.

POLÔNIO: Como?
OFÉLIA: Meu senhor, eu não sei.
POLÔNIO: O que foi que ele disse?

OFÉLIA: Me pegou pelo pulso e me apertou com força, depois se afastou à distância de um braço e, com a outra mão na fronte, ficou olhando meu rosto com intensidade como se quisesse gravá-lo. E aí, me soltou: com a cabeça virada para trás foi andando para a frente, como cego, atravessando a porta sem olhar, os olhos fixos em mim, até o fim.
POLÔNIO: Vem cá, vem comigo. Vou procurar o rei. Isso é um delírio de amor, violência que destroi a si mesma e, mais que qualquer paixão, das tantas que, sob o céu, afligem nossas fraquezas, arrasta o ser a ações tresloucadas. Sinto muito. Você lhe disse alguma palavra rude, ultimamente?

OFÉLIA: Não, meu bom senhor. Mas como o senhor mandou, recusei as cartas e evitei que ele se aproximasse.

POLÔNIO: Foi isso que o enlouqueceu. Lamento não tê-lo observado com mais atenção e prudência. Temi que fosse só uma trapaça pra abusar de você; maldita desconfiança! Mas é próprio da minha idade, o excesso de zelo, como é comum no jovem, a ação insensata. Vem, vamos falar ao rei; ele deve ser informado. (Saem) (Ato II.1)

Quando Ofélia lhe relata que Hamlet entrara em seu quarto, Polônio faz uma pergunta direta: "como?". Naquela época, moças solteiras e virgens tinham seus quartos trancados a chave pela família. Se Hamlet entrara sem dificuldade, é porque sabia o caminho. Depois de repreendida pelo pai e pelo irmão, Ofélia muda de atitude com Hamlet, passando a evitar-lhe um contato mais íntimo que, muito provavelmente, acontecera antes, quando ela aceitava suas cartas e mimos. Parte da raiva do principe e também parte da certeza de que Ofélia traveste a propria cara (III.1) pode advir do fato dele se sentir subitamente rejeitado por quem antes lhe correspondera. Polônio acredita que a razão da "loucura" do príncipe tem a ver com essa rejeição, que ele agora lamenta ter provocado, o que o leva a sugerir primeiro que Ofelia converse com ele, e depois que Gertrudes fale com o filho sob a sua vigilância - que origina exatamente a cena do closet, sobre a qual já discutimos.
O modo como Polônio percebe o interesse de Hamlet por Ofélia é como um "delírio de amor", sugerindo a existência de um desejo que ele confunde com luxúria, sem considerar um sentimento sincero por parte do príncipe. Ao perceber seu engano, precipita uma gama de acontecimentos que culminam com a sua morte, inesperada e acidental, pelas mãos do próprio Hamlet, que ao notar que alguém ouve sua conversa com a mãe no closet, apunhala Polônio ao confundi-lo com o Rei Claudio.
A morte do pai é a gota d´agua para o desiquilíbrio de Ofélia - confusa e sem saber o que sentir por Hamlet, além de profundamente perturbada com a violenta morte de Polônio, Ofélia enlouquece. Nos seus delírios de loucura, Ofelia estabelece uma linguagem peculiarmente simbolica, uma forma de expressão que se baseia, principalmente, no seu conhecimento das especies de flores:

OFÉLIA: (Pra Laertes) Este é um rosmaninho, serve pra lembrança. Eu te peço, amor, não esquece. E aqui amores perfeitos, que são pro pensamentos.

LAERTES: Uma lição na loucura; pensamentos e recordações se harmonizam.

OFÉLIA: (Ao Rei) Funchos para o senhor, e aquileias. (À Rainha) Arruda para vós, para mim também alguma coisa - vamos chamar de flor da graça dos Domingos; tem que usar a sua arruda de modo diferente. Eis uma margarida. Gostaria de lhe dar algumas violetas, mas murcharam todas quando meu pai morreu - Dizem que ele teve um bom fim…(Ato IV.3)

Flores carregam a imagem da pureza, e do romantismo. Ofelia parece dar a todos a sua inocencia perdida, e também anuncia a todos a perda de seu amor - pelo pai assassinado e pelo homem que o matou. As lembranças ela entrega a Laertes, sua única familia. Para o Rei, Ofélia entrega duas espécies de ervas: uma aromática (funcho) e a outra venenosa (aquileia), uma associação interessante dado o caráter duvidoso de Claudio. Para a Rainha entrega margaridas e arrudas, esta última muito comum para afastar mau-olhado, o que sugere tanto a boa natureza de Gertrudes quanto a sua propensão em atrair maldade. O delírio de Ofélia, portanto, vem acompanhado de uma visão precisa da personalidade daqueles à sua volta.
Para si mesma, no entanto, sobra pouca coisa. Alguns ramos de arruda, "flor da graça aos domingos". Alguma pouca sorte, da pureza que lhe resta. "As violetas murcharam", ela diz. Sabe-se mais adiante que Ofelia morrera afogada, e fica a dúvida se o afogamento fora acidental ou não. Hamlet chega de viagem no dia do enterro, e confessa seu amor por Ofélia, diante de um Laertes enfurecido: "Quarenta mil irmãos não poderiam, somando seu amor, equipará-lo ao meu" (Ato V.1). Para se vingar, Laertes conspira com Claudio para assassinar Hamlet durante um duelo, com uma espada envenenada. E consegue - para depois de arrepender ao constatar que fora usado pelo Rei fratricida. A morte atinge ainda o proprio Laertes, Gertrudes e Claudio.
E assim podemos ver Hamlet como um homem cuja relação com as duas mulheres de sua vida fora cercada de controvérsia, amor e destruição. A visão de Hamlet sobre a natureza feminina é parcial, influenciada pelos acontecimentos que lhe cercam. Mesmo assim, ele se mostra profundamente ligado a elas, atraído por elas, e herdando-lhes a sensibilidade, a paixão, e o legado de não se submeter completamente ao codígo macho-patriarcal - se o tivesse, teria sucumbido à violência com mais facilidade. Hamlet provavelmente é o herói trágico mais feminino de Shakespeare. E Ofélia, com todo seu pecado meramente sugerido, é a mais ideal das companheiras de infortúnio.


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