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PECADORES CONFESSOS...

segunda-feira, 29 de março de 2010

Gertrudes Responde!!!

Continuando nossa reflexão sobre a Rainha Gertrudes, mãe de Hamlet, estou postando aqui uma releitura da personagem feita pela escritora canadense Margaret Atwood (1939 -) para sua coletânea de contos Good Bones (1992). Como não encontrei uma tradução publicada do conto, decidi postar o texto original em inglês, e logo abaixo uma tradução de minha autoria. Na historia abaixo, Atwood recria a cena do closet, mas do ponto de vista da rainha, e apenas ela possui a palavra. Atwood reconstrói Gertrudes numa perspectiva moderna, no seguinte sentido: se o embate entre Gertrudes e Hamlet se desse nos dias de hoje, como a rainha responderia as acusações do filho? O resultado é o conto, que funciona como uma serie de respostas de Gertrudes às situações levantadas por Hamlet na cena do closet original. A percepção de Atwood além de ser muito interessante, vem de encontro à maioria das nossas observações sobre a mãe do príncipe Hamlet. Agora, passo a reflexão para voces. Leiam, tirem suas conclusões e divirtam-se porque, além de tudo, o texto é bastante sarcástico.

GERTRUDES TALKS BACK
by Margaret Atwood

I always thought it was a mistake, calling you Hamlet. I mean, what kind of name is that for a young boy? It was your father's idea. Nothing would do but that you had to be called after him? Selfish. 

I wanted to call you George.

I know your father was handsomer than Claudius. High brow, aquiline nose and so on, looked great in uniform. But handsome isn't everything, especially in a man, and far be it from me to speak ill of the dead, but I think it’s about time I pointed out to you that your dad just wasn't a whole lot of fun. Noble. Sure, I grant you. But Claudius, well, he likes a drink now and then. He appreciates a decent meal. He enjoys a laugh, know what I mean? You don't always have to be tiptoeing around because of some holier-than-thou principle or something. 

By the way, darling, I wish you wouldn't call your stepdad the bloat king. He does have a slight weight problem, and it hurts his feelings. 

And let me tell you, everyone sweats at a time like that, as you'd find out if you ever gave it a try. A real girlfriend would do you a heap of good. Not like that pasty-faced what's-her-name, all trussed up like a prizes turkey in those touch-me-not corsets of hers. If you ask me, there's something off about that girl. Borderline. Any little shock could push her right over the edge

No darling, I am not mad at you. But I must say you're an awful prick sometimes. Just like your Dad. The Flesh, he'd say. You'd think it was dog dirt. You can excuse that in a young person, they are always so intolerant, but in someone his age it was getting, well, very hard to live with and that's the understatement of the year. 

Oh! You think what? You think Claudius murdered your Dad? Well, no wonder you've been so rude to him at the
dinner table!

If I'd known that, I could have put you straight in no time flat.

It wasn't Claudius, darling.

It was me.



GERTRUDES RESPONDE
por Margaret Atwood


Eu sempre achei que era um erro chamá-lo Hamlet. Quero dizer, que tipo de nome é esse para um garotinho? Foi idéia do seu pai. Nada seria bom a não ser que você tivesse o mesmo nome que ele? Egoísta.

Eu queria te chamar Jorge.


Eu sei que seu pai era mais bonito que Cláudio. Sobrancelhas altas, nariz arrebitado e tudo mais, ficava lindo de uniforme. Mas beleza não é tudo, especialmente num homem, e longe de mim falar mal dos mortos, mas eu acho que é hora de te dizer que seu pai simplesmente não era muito divertido. Nobre. Claro, tenho que admitir. Mas Cláudio, bem, ele gosta de beber de vez em quando. Ele gosta de boa comida. Ele gosta de rir, entende o que eu digo? Não se tem que ficar sempre pisando em ovos por causa de algum princípio sagrado ou coisa assim.



Ah, sim, querido, eu queria que você não chamasse seu padrasto de rei balofo. Ele tem mesmo um pequeno problema de peso, mas isso o magoa.


E deixe-me dizer, todo mundo sua “naquelas” horas, como você descobriria se tentasse alguma vez. Uma boa namorada lhe faria muito bem. Não como aquela cara-de-pastel que eu nem lembro o nome, toda amarrada igual a um peru de Natal naqueles corseletes não-me-toque. Se você me perguntar, acho que ela não bate bem. Ela está na fronteira. Qualquer pequeno choque pode empurrá-la além do limite.

Não querido, Não estou zangada com você. Mas devo dizer que você é um pé-no-saco às vezes. Igual ao seu pai. A Carne, ele diria. Você podia pensar que era cocô de cachorro. Você pode desculpar isso num jovem, eles são sempre tão intolerantes, mas em alguém na idade dele já estava ficando, bem, muito difícil de conviver e esse é modo mais delicado de se dizer.

Oh! Você acha o que? Você acha que Claudio assassinou seu pai? Bem, não me admira que você tenha sido tão rude com ele no jantar!

Se eu soubesse disso, eu poderia te-lo esclarecido na mesma hora.

Não foi o Claudio, querido.

Fui eu.


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domingo, 28 de março de 2010

MULHERES DE SHAKESPEARE Vol IV - Parte I - Gertrudes

Neste último capítulo dos nossos volumes sobre as mulheres de Shakespeare, vamos falar sobre duas das mais discutidas figuras femininas no ambito das tragédias escritas pelo dramaturgo: a rainha Gertrudes e Ofélia, ambas retiradas da peça Hamlet, o príncipe da Dinamarca (1601) . Na primeira parte deste capítulo, falaremos da Rainha Gertrudes, mãe do príncipe. Na segunda parte, trataremos de Ofélia, grande amor de Hamlet.



A tragédia de Hamlet, aquela do famoso monólogo ser-ou-não-ser, é talvez a que possui o herói mais complexo de todas as peças de Shakespeare. Confuso, desconfiado, cético, presunçoso, profundamente sensível e inteligente, o príncipe Hamlet é o centro de uma dúvida quase sem solução - matar ou não matar o assassino do pai, o rei Hamlet, cujo espírito avisa ao filho da emboscada que sofrera. É revelado ainda o nome do conspirador - Claudio, tio do príncipe, é também o atual marido de sua mãe, Gertrudes.

A linha de tempo da peça não é sempre detectável, mas nós sabemos pelo próprio Hamlet (Ato I.2) que o casamento de Gertrudes e Claudio aconteceu três ou quatro meses após o enterro do Hamlet pai. A revelação do fantasma do Rei assassinado se dá no dia das núpcias do casal, e isso nos precipita a primeira das muitas visões que Hamlet tem da mãe: a adúltera, aquela que cometeu o pecado mortal da traição. E aqui devo me explicar melhor: porque, para o leitor moderno, ouvir Hamlet pensar que Gertrudes traiu seu marido nos remete diretamente a uma relação excusa, anterior à morte do Rei. Mas, na época retratada na peça, o simples fato de Gertrudes se casar novamente já pode ser considerado adultério. Se ela se casou com o cunhado, tanto pior: porque além de adultério, ela praticara incesto - já que na mentalidade antiga, quando a mulher entra para uma família, ela se torna filha e irmã de seus membros. Como irmão de seu marido, Claudio deveria ser um irmão também para ela, e não alguém que ela pudesse desejar. A imagem de Gertrudes, portanto, é a da mulher transgressora, que não apenas enterra o marido, como também o troca por um homem que devia ser proibido para ela. Como esposa, não lhe cabia o desejo; mas fica claro pelas palavras de Hamlet na cena do closet - do qual colocamos um extrato uns posts atrás - que Gertrudes casou-se cedendo à uma atração pelo cunhado. A rainha se deixou seduzir, traindo assim o conceito de amor que deve cercear uma escolha de casamento. Hamlet justapõe para a mãe as imagens do pai e do tio para que ela enxergue a contradiçao de seus sentimentos.

Neste momento da trama, em que há o confronto entre mãe e filho, surge uma outra visão de Gertrudes: a da mãe devotada, envergonhada não diante de seu desejo pelo marido, mas diante da decepção que esse sentimento causa em seu único filho. Num momento da trama em que Hamlet finge-se desiquilibrado, com o intuito de desestabilizar o governo e o casamento de Claudio, Gertrudes se sente responsável pela aparente insanidade do filho. Shakespeare nos presenteia com um relaciomento tão intricado entre Hamlet e Gertrudes que, mais tarde, Freud os usaria como exemplo para explicar o famoso Complexo de Édipo - pois é evidente que Hamlet assume para si o comportamento de homem da casa, senhor da família que foi deixada órfã pelo pai morto - e por conseguinte, não reconhece em Claudio o substituto legítimo do marido da mãe. No fundo, Hamlet concede esse papel a ele mesmo - o que nos leva a um estágio inconsciente de incesto que não se tem a intenção de concretizar, mas que tem sua representação simbólica no fato de pai e filho terem exatamente o mesmo nome. Em Shakespeare, nada é coincidência.

Na referida cena do closet, Hamlet tenta fazer Gertrudes prometer que não se relacionará sexualmente com Claudio outra vez. É a derradeira tentativa do príncipe de recuperar a visão da mulher pura de corpo e de espírito - na verdade a única que ele realmente aceita que a mãe tenha. Naquela passagem, Gertrudes se assusta com a visão que Hamlet tem do pai - coincidência? - e desvia o assunto. Mas, no ultimo ato, a rainha se redime de quaisquer pecados que possa ter cometido - seja o da fraqueza, seja o da cegueira. Ao perceber que Claudio tenta envenenar Hamlet durante o seu duelo com o bravo Laertes, Gertrudes toma o veneno no lugar do filho. Sua atitude inesperada desestabiliza completamente Claudio, e precipita a revelação de todos os seus crimes. Hamlet, porém, não escapa: é morto por Laertes. Mesmo assim, o sangue de Gertrudes derramado em defesa do filho é um retorno ao espírito, e um abandono do corpo que a condenara antes, quando se casou com Claudio. A reunião da família original se dá na morte: Hamlet pai, Hamlet filho e Gertrudes, rainha do maior dos sentimentos. E o resto é silêncio.



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sexta-feira, 26 de março de 2010

Apague a luz por uma hora...


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quarta-feira, 24 de março de 2010

E o gênio da semana é...(surprise, surprise...)



"Nada é tão COMUM,
quanto o desejo de ser EXTRAORDINÁRIO."

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domingo, 21 de março de 2010

ENQUETE: Temos um empate!!!

Olá amigos e leitores do blog,

A enquete logo aqui ao lado terminou ontem, mas a apuração dos votos resultou em empate entre três personagens:

1. Abigail Williams (As bruxas de Salem)
2. Lolita (Lolita)
3. Blanche Dubois (Um bonde chamado desejo)

Preciso que voces desempatem essa parada. Portanto, dei mais uma semana de votação para ver se temos uma pecadora eleita. Conto com vocês!


Claudinha Monteiro

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No próximo Mulheres de Shakespeare...(Aquecendo II)



Era um homem triste, sozinho
um príncipe estranho no ninho.
Até que no sopro do infinito
aparece-lhe o pai, em espirito
precipitando a revelação
de que sua morte foi traição

num espectro feito de luz,
diz o rei, "faz-me jus!"
"honra o sangue descarnado
por mesmo sangue derramado!"
e eis que o fraterno usurpante
toma a rainha como amante
tem o trono anunciado

Salve Hamlet, príncipe herdeiro
do ser e não ser, pioneiro
da palavra estremecida
vingador de alma perdida
pensador do próprio reino

Salve suas duas damas
bem e mal-interpretadas
salve Ofélia, a acanhada
alvo de seus vis amores
filha de um dos senhores:
Polônio, o cão-de-guarda

E a rainha-mãe condenada
por seu filho, encarcerada
em desejos e promessas
víuva e casada às pressas
silenciosa e encantada

e o espectro feito de luz
suplica sempre: "faz-me jus!"

Eis que Hamlet enlouquecido
em seu teatro ensandecido
com suas vãs filosofias
tem no foco da histeria
o nobre Claudio, fratricida
rei por força de medida

Sai Polonio, apunhalado
pelo príncipe desgarrado;
vai-se Ofélia, desconcertada
em si mesma afogada
por ódio, por amor, por nada...

E eis que a ponta da espada
por ardil envenenada
mata o Hamlet, quase guerreiro
senhor de sua jornada
 a loucura do seu reino
varre a vida, e a história
pelas vozes da memória
em silêncio é repetida.

By Claudinha M.

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quinta-feira, 18 de março de 2010

A seguir em MULHERES DE SHAKESPEARE (Aquecendo!)

Hamlet, sua mãe Gertrudes e Ofélia

Abaixo, um trecho da cena mais significativa entre Hamlet e a Rainha Gertrudes, sua mãe, também conhecida como a cena do closet. Essa cena será muito importante quando comentarmos das mulheres de Shakespeare na peça. Uma dica: prestem atenção em como Hamlet enxerga a conduta sexual da mãe.

GERTRUDES: Que foi que eu fiz pra tua língua vibrar contra mim com esse ódio todo?

HAMLET: Olha aqui este retrato, e este (Mostra a ela retratos do pai e do tio). Retratos fiéis de dois irmãos. Este era seu marido. Vê agora o que se segue: aqui está o outro marido, como uma espiga podre, contaminando o irmão saudável. Trocaria isto por isto? (Aponta os retratos). Desejo, claro, a senhora tem. Do contrário não teria impulsos. Que vergonha! A ausência de se rubor proclama que não é vergonha ceder ao assalto do ardor desenfreado.

GERTRUDES: Oh, Hamlet, não fala mais. Você vira meus olhos pra minha própria alma;  e vejo manchas tão negras e indeléveis que jamais poderão ser extirpadas.

HAMLET: É, mas viver com um assassino covarde, fazendo amor com o salteador do império e do poder em lençóis ensebados…

GERTRUDES: Oh, não fala mais.

(Ato III, cena 4)
Hamlet - tradução de Millor Fernandes
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domingo, 14 de março de 2010

Antídoto



Quando eu verso
É por prazer
Por mágoa
Pelo inverso
Da minha alma
Que não se cala
Para o encanto do
pulso, das horas
Suspender.

Quando eu verso
É pelo imenso
espaço que falta
É pelo inferno
Para frear o que penso
Parar a chuva , o inverno
O frio intenso.

Quando eu verso
É pela palavra
Pela expressão
Pelo conflito
Quando eu verso
É a paga
É o instinto
E o medo de não ser
É para entender
O infinito.

(14/03 - Dia Nacional da Poesia)

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quinta-feira, 11 de março de 2010

O PECADO DA LEITURA


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segunda-feira, 8 de março de 2010

MEU NOME É MULHER (parabéns a todas nós...)

Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, um lindo poema de uma batalhadora, que resume bem a ideia deste blog:



Meu nome é mulher
No princípio eu era Eva
Nascida para a felicidade de Adão
E meu paraíso tornou-se trevas
Porque ousei libertação.


Mais tarde fui MARIA
Meu pecado remiria
Dando à luz aquele
Que traria a salvação
Mas isto não bastaria
Para eu encontrar perdão!



Passei a ser AMÉLIA
A mulher de verdade
Para a sociedade.
Não tinha a menor vaidade,
Mas sonhava com igualdade.
Muito tempo depois decidi:
não dá mais.
Quero a minha dignidade,
Tenho meus ideais!
Mas o preconceito atroz
Meus 129 nomes queimou.

Então, o mundo acordou
Diante da chama lilás!
Hoje, não sou só esposa ou filha
Sou pai, mãe, arrimo de família,
Sou ourives, taxista, piloto de avião,
Policial feminina, operária de construção!

Ao mundo peço licença,
Para atuar onde quiser
Meu sobrenome é Competência
O meu nome é MULHER!


Autora: "Pérola Neggra"
Soldado Fem PM Fátima Aparecida Santos de Souza, do 30º BPM/M
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domingo, 7 de março de 2010

MAU ROMANCE


(Original: "Bad Romance" - L. Gaga/Germanotta/Stefani/Khayat/Nadir)
(Tradução: Claudinha M.)

Eu quero o seu horror
E quero a sua doença
Eu quero tudo que for
Desde que te peça
Eu quero seu amor

Eu quero o seu teatro
e quero as suas mãos
eu quero seu beijo mascarado
cravejado, em ação
Eu quero o seu amor

Eu quero seu amor
E quero o seu sangue
Eu e você criando
um mau romance

Eu quero seu medo
E quero o seu eu
Quero o seu crime
Desde que seja meu
Eu quero o seu amor...

Quero o seu trauma
Quero o seu prazer
Quero a sua calma
Quando eu enlouquecer
Eu quero seu amor...

Eu quero seu amor
E quero o seu sangue
Eu e voce criando
Um mau romance

Presos num mau romance...

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sexta-feira, 5 de março de 2010

MULHERES DE SHAKESPEARE Vol. III - Cordélia



Harold Bloom afirma, em seu Shakespeare e a Invenção do Humano (2000), que Rei Lear (1606) é uma tragédia shakespeariana sobre o amor em excesso. Bloom se refere ao amor filial, aos desencontros dos relacionamentos em família. Rei Lear não é tanto sobre a loucura do protagonista, mas sobre os motivos pelos quais o protagonista enlouquece; de acordo com Bloom, o amor é o tema central que propicia o desenvolvimento positivo ou negativo de todos os personagens. Se nos ativermos aos personagens femininos, veremos que as representações de amor são determinantes no destino das filhas de Lear – Regan, Goneril e Cordélia. O que pretendemos com este post é entender a relação complexa que se estabelece entre a personalidade de Cordélia e o amor, da forma como é representado na trama – isto é, devastador, afetado, sempre em excesso (Bloom, 2000). Vamos explicar melhor com perguntas: de que forma Cordélia reage à manifestação amorosa, sobretudo em relação ao pai, Lear? Como essas reações caracterizam sua individualidade, seu modo de ver o mundo e, microcosmicamente, a família? Os relacionamentos amorosos estabelecidos por Cordélia – seja filial ou marital – são fundamentais para o entendimento da sua personalidade – como também, pelo critério de comparação, das ambiciosas Goneril e Regan e do dramático e assertivo Lear.

O drama começa com Lear submetendo as filhas a um teste de demonstração de amor: propõe-se a dividir seu enorme reino entre as três filhas, mas para isso elas deverão dizer o quanto o amam. Regan e Goneril enchem os ouvidos de Lear com um discurso poético, e são agraciadas com generosos pedaços de terras; Cordélia, no entanto, escolhe a sobriedade e o prosaicismo, e afirma dedicar a Lear o amor que uma filha dedica a seu pai. Seu discurso lembra bastante o de Desdêmona, quando afirma no primeiro ato de Otelo que tem um senso de dividido dever entre o amor pelo pai e pelo marido que escolhera; Cordélia parece partilhar deste mesmo dever, e explica ao pai que seu sentimento filial não é maior nem menor do que deveria ser. Mas Lear se sente preterido por aquela de quem esperava a maior declaração de amor, por se tratar de sua filha favorita; assim, a parte que caberia à Cordélia é dividida entre suas duas irmãs. Sem bens, portanto, sem dote. Lear submete Cordélia ao desejo de seus pretendentes: o Rei da França e o Duque de Borgonha – mas este último desiste da disputa quando percebe que não herdará o poder político do pai de Cordélia; ela então casa-se com aquele que mais tarde se tornaria Rei da França - e que, tendo em vista a rivalidade anglo-francesa, não tinha a preferência de Lear.

Novamente, a associação com Otelo é inevitável: Cordélia, assim como Desdêmona, recusa-se a adotar o discurso esperado, e atém-se exclusivamente ao seu dever e ao seu desejo – escolhe dizer ao pai apenas o que pensa, na exata medida em que pensa. Acaba também, casando-se com o marido de sua preferência, ironicamente, com a anuência de um pai que pretendia puni-la. Impossível não lembrar das palavras de Brabâncio que, após ouvir de Desdêmona que seu amor por ele não é maior que o que deve ao marido, diz a Otelo que está entregando a ele aquela que nunca entregaria numa situação diferente (I, 2). Desdêmona é a única filha de Brabâncio; Cordélia é a filha preferida de Lear. Essa justaposição do amor com o dever , o desejo e a raiva está bem presente nas duas peças, e é igualmente determinante no destino de seus personagens. Na trama de Rei Lear, há um aprofundamento da relação entre o amor e a tragédia que Shakespeare começara a esboçar em Romeu e Julieta, e desenvolvera em Otelo. Entretanto, em Lear, como também em Hamlet, Shakespeare reforça essa dicotomia amor-tragédia sob o ponto de vista do relacionamento familiar, mais especificamente entre pais (ou mães) e filhos.

E já que estamos enfatizando aqui o papel da individualidade feminina nesse aspecto trágico do relacionamento amoroso (familiar-marital), é importante notar que no âmbito das quatro principais tragédias shakespeareanas, a figura materna só encontra representação em Hamlet. Ainda assim, a figura da Rainha Gertrudes, mãe de Hamlet, vem subdesenvolvida e envolta numa atmosfera de transgressão e mistério. Sobre ela vamos falar no próximo volume. O ponto aqui é entender que em Lear, toda a representação do amor filial se faz através de padrões paternalistas, tendo na figura paterna o ícone máximo de autoridade, tanto internamente (família) quanto externamente (política/sociedade). Exatamente como nas tragédias de Romeu e Otelo, o retrato shakespeareano em Lear marca com cores berrantes as complexidades patriarcais: o sentimento exacerbado, a ênfase na competição, no confronto, a manifestação explícita da raiva, o poder do estrategista, e da observação - como também, o papel de todos esses fundamentos no destino trágico não apenas dos personagens masculinos, mas na supressão de toda e qualquer feminilidade da trama – e suas conseqüências.

No caso de Cordélia, há uma estreita relação entre a construção da identidade da filha de Lear e o seu discurso. Diferente de Desdêmona, amante e devoradora do discurso, Cordélia deixa claro, desde a sua primeira aparição, que não partilha da óbvia verborragia de suas irmãs. Cordélia se mostra bem menos inocente que Desdemona, porém com o mesmo senso de honestidade. A caçula de Lear percebe o uso falso que suas irmãs fazem das palavras, e percebendo sua iniqüidade diante delas, resolve que deve apenas “amar, e se calar” (I, 1). Mais tarde ao declarar o amor que sente pelo pai, avisa: “eu o amo de acordo com o laço que nos une, não mais nem menos” (idem). Sua explicação, conforme já antecipamos, é bem parecida com a de Desdêmona, quando explica ao pai o seu dever (ou sentimento) dividido entre ele e seu marido Otelo. Cordélia sente da mesma maneira, e em contrapartida, questiona o amor incondicional a Lear que suas irmãs professaram antes dela:

CORDÉLIA — Meu bondoso senhor, vós me gerastes, educastes e me amastes, pagando eu todos esses benefícios qual fora de justiça: com obediência e amor vos honro sempre extremamente. Por que têm maridos minhas irmãs, se dizem que vos amam sobre todas as coisas? Se algum dia vier a casar, há de seguir o dono do meu dever apenas a metade de meu amor, metade dos cuidados e das obrigações. Certeza é nunca vir a casar-me como as duas manas, para amar a meu pai por esse modo. (I, 1)

Lear, visivelmente contrariado com o que chama de “aspereza” da filha, deixa sarcasticamente apenas a verdade como herança para Cordélia. A violenta reação do rei diante da atitude de Cordélia inspira uma variedade de interpretações. Do ponto de vista psico-afetivo, o amor de Lear por Cordélia atinge uma conotação quase sexual – ele não admite concorrência no afeto da filha, e a deserda depois de ouvi-la dizer que dividirá seu amor entre ele e o homem com quem ela vier a se casar. O que se presencia é uma forte crise de ciúme por parte do Rei, que faz valer sua autoridade para expulsar a filha de sua vida, assim como aqueles que a defenderem, como é o caso do leal Kent. Lear claramente considera a atitude de Cordélia uma traição, e chega a ecoar as palavras de Brabancio, pai de Desdêmona: “melhor seria que nunca tivesses nascido” (idem). Ao perceber que o Rei da França deseja desposar Cordélia a despeito da sua contrariedade com a filha, entrega-a “sem o nosso amor, nossa benção, nossa graça” (idem).

A reviravolta na mente do velho Lear se dá quando resolve viajar pelas terras que dera às filhas, esperando que estas lhe dedicassem o mesmo “amor” de antes. Mas é claro que isso não acontece – Lear é destratado por Goneril e Regan, que não toleram os excessos do Rei e de seus cavalheiros. Do alto de uma vaidade sem limites, Lear rompe com as duas, e se vê sozinho no meio de uma tempestade, tendo apenas o Bobo e um mendigo (na verdade, Kent disfarçado) como companhia. O personagem se desnuda – sem vaidades, vantagens, roupagens que a postura do Rei exige. Se repararmos no discurso de Lear, veremos que ele faz questão de usar o tradicional “nós”, ao invés de “eu”, para referir-se ás próprias coisas. Mas esse pronome no plural, para Lear, tem outro sentido: não configura a representação dele como paradigma do reino, do povo, e sim de si mesmo. São duas identidades: o velho tolo, vaidoso e dono de um amor instintivo, irrestrito; e o Rei, o homem poderoso, autoritário, porém, generoso, e cujo senso deturpado de reciprocidade acaba arruinando-o.

Cordélia, então, reaparece em cena: já rainha da França, ela acompanha o marido na invasão Inglaterra, para resgatar seu pai da miséria. A atmosfera de politicagem, a mesclagem entre paixão e ambição, luxuria e poder – já que Goneril e Regan são seduzidas pelo mesmo homem, o bastardo Edmund, que pretende governar – não importa à Cordélia. Seu objetivo é salvar um pai enganado, desprovido de toda dignidade. A filha pródiga não busca justiça para si própria. Numa manifestação da metade do amor que cabe ao pai, Cordélia tenta, em vão, fazer com que as coisas retornem ao seu curso natural. Mas ela é uma mulher, reta, honesta, centrada portanto, sozinha no caos em que se transformou o reino de Lear. È tarde para Lear, já refugiado na loucura; para o amigo Gloucester, cego dos dois olhos pelas artimanhas do bastardo Edmund; para Edgar, irmão de Edmund condenado ao ostracismo até quase o fim da peça; e Cordélia descobrirá que é tarde demais também para ela.

A invasão francesa dá errado e Cordélia é presa junto com Lear e condenada à morte. A morte injustificada se assemelha a de Desdêmona e a escolha de Cordélia, no fundo, é a mesma: enquanto Desdemona escolhe o amor por Otelo em detrimento ao amor pelo pai e por Veneza, Cordélia escolhe o amor por Lear ao amor pela França e, consequentemente, pelo marido, que nem é mais mencionado. Lear e Cordélia se reconciliam, partilham a prisão e o castigo. Quando a verdade sobre Edmund vem à tona, nada mais pode ser feito: Cordélia já cumprira sua sentença, morrendo enforcada. A manifestação do amor filial em Cordélia é mais consistente em suas ações do que em suas palavras. As suas emoções são latentes; suas lágrimas e murmúrios falam mais que um discurso elaborado, poético, como o de suas irmãs – que aliás, acabam matando uma à outra por causa de Edmund. Mas sua retidão não lhe garante a sobrevivência – assim como Desdêmona, Cordélia morre pelas próprias palavras – ou pela falta delas.


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