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PECADORES CONFESSOS...

domingo, 17 de outubro de 2010

As pecadoras de Jorge Amado (III) - O sexo é uma arma em Tereza Batista Cansada de Guerra

Capa do livro (1973)

Me chamo siá Tereza
Perfumada de alecrim
Ponha açúcar na boca
Se quiser falar de mim

Flor no cabelo
Flor no xibiu
Mar e rio

Tereza Batista, por Dorival Caymmi



O pecado em Jorge Amado geralmente é algo contraditório, é uma questão de interpretação. No tocante às suas mulheres, a infâmia que ronda as suas vidas é temperada com a necessária dose de delicadeza, e mistério. Foi assim com o erotismo político (ou a política erótica?) da cabrita Tieta do Agreste e a cozinha cheirando a cravo e canela da sedutora Gabriela. Mas vamos falar agora do que chamaremos de uma exceção à regra. Uma exceção que valoriza o conflito, a violência e o infortúnio - e por esse viés, constrói uma das personagens femininas mais contundentes do universo amadiano. Seu nome: Tereza Batista.

No romance Tereza Batista Cansada de Guerra (1972) temos a história de uma mulher que recusa todo e qualquer papel social que tentam lhe impor. É a história de uma mulher que é o que quer ser - luta por isso, mas também paga caro por isso, e por muito tempo. Seu pathos de muito sofrimento começa na pré-adolescência quando, orfã de pai e mãe, é criada como escrava pela tia Felipa até ser vendida por ela para o Capitão Justo, homem cruel e pervertido. Vive por muito tempo como escrava sexual do capitão; mas, ao contrário de suas outras "meninas", Teresa não se deixa possuir sem luta. O capitão sempre tem de pegá-la à força. O papel da garota pobre destinada ao subjugo e ao trabalho forçado não lhe cabe, e nem ela o deseja. O estupro, neste caso, é a forma cruel de estabelecer, todos os dias, um sonoro manifesto contra a sua própria condição.

Ainda sob o teto do Capitão Justo, Tereza conhece Daniel, e se apaixona por ele. É a sua primeira experiência de sexo consensual. Mas nada é tão fácil. O momento idílico com Daniel termina quando o capitão flagra os dois. E naquele momento, Tereza se traveste do cavalheirismo que falta ao seu amante, se interpõe entre os dois homens e acaba matando Justo. Um episódio que poderia ser facilmente descrito por legítima defesa - exceto quando a vítima é um homem poderoso, e a criminosa é uma mulher sem eira nem beira. Daniel, é claro, a abandona. Diante de um sistema opressor, chauvinista e discriminador, Tereza passa de escrava sexual à assassina condenada e presa, materializando a sua marginalização social.

Tereza é salva da cadeia - recusando o papel de assassina - pelo Dr Emiliano Guedes, homem já de idade, que se encantara com o espírito rebelde da moça quando a conhecera na casa do capitão. Mais uma vez, trata-se de possuir, mas com uma abordagem diferente - através da gratidão, e construindo aos poucos carinho e afinidade. Emiliano e Tereza se aproximam, se respeitam. Mas, na hora exata em que estão fazendo amor, Emiliano morre. E Tereza, que era o que no sertão se chamava "teúda e manteúda" do doutor, se vê jogada na rua novamente. Sem saída, usa o sexo para sustentar-se.

Mas Tereza está longe de conformar com a marginalidade. Como prostituta, Tereza se mete em várias brigas com a polícia para defender as companheiras de profissão. Engaja-se na greve das prostitutas para não serem despejadas de seu local de trabalho. Percebemos, portanto, que há um padrão de comportamento em Tereza que insiste em desafiar qualquer representação de autoridade patriarcal. O poder masculino não a assusta, nem a detém. Ela se determina a não ser oprimida, retaliada, discriminada. E ainda que ocupe sempre o lugar mais raso da pirâmide social, sempre se faz notar.

O grande amor de Tereza, desde quando matara o capitão Justo, era o marinheiro Jereba. Mas, mais uma vez, se decepciona ao descobrir que ele é casado, e que a deixou para voltar para a esposa doente. Há também aqui um padrão de insatisfação amorosa quase que diretamente proporcional à rebeldia de Tereza. Os homens de Tereza são fracos, indecisos. A força de Tereza os atrai, mas também os assusta. E eles fogem para longe de seu magnetismo. Mas o amor se torna uma nova mola propulsora na vida de Tereza e ela decide lutar por isso.

Depois de perder Jereba, Tereza viaja para o interior de Sergipe, onde vê médicos e enfermeiros abandonarem o único posto médico do lugar, por medo do avanço da varíola. Resolve prestar assistência aos doentes com a ajuda das prostitutas da região. Novamente, o contraste entre a instituição social e a generosidade nascida da opressão compartilhada. 

Depois de Sergipe, Tereza ruma para a Cidade da Bahia, atrás de Jereba (àquela altura, já viúvo). Mas num novo desencontro, descobre que ele embarcara num navio de carga estrangeiro. Tereza então, torna-se dançarina num cabaré em Salvador. É quando conhece Almério, homem gentil que desperta a sua simpatia. Mas, no dia do seu casamento com Almério, Tereza reencontra Jereba. E decide renunciar ao papel de esposa conformada, arranjada num casamento sem amor, e partir para sua última transgressão: viver feliz, ao lado de quem ela deseja, com ou sem a benção do sagrado matrimônio. A jornada de Tereza, o seu "endurecimento", a sua maturação sexual e psíquica, chega ao fim.




Com sua narrativa tipicamente anacrônica, e com um narrador tipicamente nordestino, a história de Tereza Batista é c(o)antada na marca do repente. Tereza, na voz do contador (ou será cantador?) de histórias se torna um símbolo, quase uma lenda. Uma entidade mediúnica, filha dos orixás, mulher brava, guerreira, avassaladora. Feminina. Aquela que até o último momento, lutou para ser, e não apenas refletir o outro. Tereza Batista cansada de guerra. No fim, tudo se resume à paz de seu conturbado - porém vencedor - espírito.


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3 comentários:

Sonia Parmigiano disse...

CLAUDINHA QUERIDA!!!

BELÍSSIMA POSTAGEM COM ESSA PERSONAGEM TÃO IMPORTANTE DE JORGE AMADO!!!JÁ CONHECIA E FOI MUITO BOM LER UM POUCO MAIS AQUI EM SEU LINDO ESPAÇO...

PARABÉNS!!!

GRANDE BEIJO E BOA SEMANA!!

REGGINA MOON

Neca disse...

Dessa personagem só tinha vagamente ouvido falar. Nossa, quanta garra!
Claudinha, sempre muito bom vir aqui te ler e assim, ter a oportunidade de acrescentar um pouquinho de literatura à minha vida.
Beijocas!!!

Hannah disse...

"A força de Tereza os atrai, mas também os assusta."
Sempre tenho essa sensação.
Mulheres que conseguem chamar a atenção por sua força, destreza e destemor tendem a causar medo nos homens.

Tão interessante quanto a própria obra é a releitura feita por você.
Parabéns, Claudia.
Beijos.

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