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PECADORES CONFESSOS...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Mulheres que pecam Verde e Amarelo - as mulheres de Machado de Assis (II)

Sofia - a arte da adaptação 

Em se tratando de ambiguidade e malícia, a personagem Sofia, do romance machadiano Quincas Borba (1891), talvez seja a melhor construída, depois de Capitu. Sofia é a personagem feminina mais determinante na historia de Rubião, um homem simples que fica milionário e morre pobre e louco - e apaixonado por ela. A participação de Sofia na loucura de Rubião, bem a como a complexidade do seu caráter é uma das questões do romance. Afinal, Sofia levou Rubião à miséria financeira e à exaustão mental? 
Sofia (do grego sophia= sabedoria; sábia) é uma mulher de sociedade, casada, fina, e linda. É exibida como um troféu pelo marido,  o inescrupuloso capitalista Palha, que parece usar sua beleza para atrair investidores. Rubião, um enfermeiro do interior que herda toda a fortuna de Quincas Borba, é presa fácil. Ingenuo e romantico, Rubião se encanta por Sofia e por consequencia, passa a confiar cegamente em Palha, deixando-o administrar seus bens. É claro que Palha abusa da confiabilidade de Rubião para roubar-lhe gradativamente os lucros de seus investimentos. E, com o passar do tempo, Sofia influencia cada vez mais a permanência de Rubião no convívio dos Palha.
O encantamento de Rubião com a beleza de Sofia se transforma numa paixão avassaladora. A atitude de Sofia com relação à Rubião é bastante ambígua: em alguns momentos parece encorajá-lo, para logo depois esquivar-se. Quando finalmente Rubião confessa seu amor, Sofia o recusa e conta tudo ao marido, que reage indignado, mas mantém a parceria financeira com o matuto. E aí se encontra o cerne da questão. O comportamento de Sofia com Rubião não é completamente justificado por Machado no romance. Sofia age ou não em conluio com o marido, seduzindo Rubião propositadamente para roubar-lhe a herança? 
Se considerarmos as premissas humanistas defendidas no livro - e representadas na filosofia "inventada" pelo falecido Quincas Borba - ao vencedor, as batatas! - podemos desconfiar da atitude pretensamente honesta de Sofia. Podemos enxergar um padrão de comportamento típico da arte da guerra: tráfico de influencia. Sofia transita entre Palha e Rubião defendendo os interesses de seu casamento. Age sempre em favor do marido, e mantém sua beleza quase que como uma arma. Compraz-se em ser admirada pelos homens, mas jamais chega a trair o marido - nem na unica vez em que realmente se dispõe a fazê-lo, quando se apaixona pelo conquistador barato Carlos Maria. Assim, Sofia permanece no seu pedestal, seduzindo e abandonando, intervindo sem intervir. Sua beleza e sua atitude plácida se encaixam no perfil da mulher social - alguém para quem o flerte é uma tendencia, uma consequencia natural ao comportamento que esperam dela.
Dessa forma, a sobrevivencia depende de uma capacidade de adaptação ao meio competitivo e seletivo da sociedade capitalista. Sofia, enquando representante do feminino, acaba sintetizando o papel da mulher nessa guerra fria social - uma atitude implícita, subentendida e reduzida aos interesses do homem, do pai, do marido. O unico interesse atribuído de fato à Sofia durante toda a trama - isto é, a tentativa de adultério com Carlos Maria - acaba não se concretizando, pois o conquistador não aparece no encontro marcado. Sugestivo nessa ausencia é a marginalização da vontade individual feminina, em comparação à individualidade preservada do macho.
Sofia, no entanto, não se abala nem se redime. O seu contumaz desprezo pelo amor de Rubião precipita os sinais de insanidade no protagonista, enquanto ela e o marido enriquecem cada vez mais às custas dos seus negócios. No fim do romance, Sofia e o marido inauguram seu palacete com um grande baile, enquanto Rubião morre enlouquecido e sem um vintém.
O final tipicamente machadiano não deixa claro se Sofia agiu intencionalmente com Rubião ou se Rubião foi incapaz de se adaptar a um comportamento que, para a sociedade urbana, é absolutamente normal. O estrangeirismo de Rubião quanto aos costumes da corte, e aos mecanismos inerentes ao mundo captitalista inclui também o seu estrangeirismo com relação à conduta feminina nesse ambiente. Sofia é o exemplo máximo dessa conduta no romance. Ela é a musa, a mulher inatingivel, virtuosa e fiel - que esconde uma natureza dúbia, um interesse excuso, que quase nunca diz respeito à ela mesma. 
O seu pecado não é o transgressão, mas talvez seja o da acomodação - ou o do profundo conhecimento das regras do jogo e uma profunda disposição em ser uma de suas peças. Sofia é aquela capaz de se transformar exatamente naquilo que deve ser - mas justamente por isso, a sua sobrevivencia no mundo capitalista permanece inevitável.

Próximo fascículo: Virgília (Memórias Póstumas de Brás Cubas - 1881)

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Um comentário:

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

Adorei o "Quincas Borba" resumido por você. Muito bom mesmo!
Sobre a personalidade da Sofia, achei marcante a vaidade excessiva dela, misturada com muita covardia, e oportunismo.

Um grande abraço. Bom fim de semana.

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