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PECADORES CONFESSOS...

sábado, 15 de maio de 2010

Mulheres que Pecam Verde e Amarelo - as mulheres de Machado de Assis

Já falamos aqui no blog de uma das personagens femininas - senão a personagem feminina mais controversa da literatura brasileira: a Capitu de Dom Casmurro. Capitu é propositadamente ambígua, naturalmente sensual e profundamente apaixonada - embora não se saiba se pelo marido Bentinho, ou pelo melhor amigo dele, Escobar. A historia começa e termina em pistas que não se resolvem, e que deixam no ar uma dúvida eterna, para o narrador-protagonista e para o leitor: afinal, Capitu traiu Bentinho? E afinal, será que isso realmente importa?
Capitu é a personagem-mulher mais famosa de Machado de Assis. Mas não é a unica. De uma forma geral, as mulheres machadianas - sobretudo as heroínas ou as condutoras da narrativa - são concebidas para serem fortes, determinadas em seus objetivos e em busca de algum nível de satisfação pessoal - o que convenhamos, não era o padrão de comportamento da mulher do sec. XIX. Falaremos de outras quatro personagens que, junto com Capitu, compõem o time de pecadoras do imaginário machadiano. Nosso primeiro fascículo:

Helena  (1876) - a mulher com um segredo...

Outra das mulheres controversas de Machado, Helena - do termo grego Helene, que significa "brilhante" - é uma mulher cuja história transfigura de certa forma a etmologia do nome. O brilho de Helena vem da sua beleza, da sua fibra, da sua inteligência ameaçadora e sutil. E é exatamanente esse brilho que a conduz ao cerne de um pecado do qual só se redime com a morte.

Ambientada no Rio de Janeiro colonial, Helena é a filha postiça de um rico conselheiro da corte, que tem um caso amoroso com sua mãe, Angela. A morte do conselheiro do Vale é o ponto de partida na trajetória da heróina. Na abertura do testamento, do Vale afirma que Helena é sua filha de sangue, portanto, herdeira de toda a sua fortuna junto com Estácio, seu filho legítimo. Mesmo sabendo da verdade, Helena assume a posição de dona da casa, como irmã mais nova de Estácio e herdeira riquíssima. Seu pulso forte no comando da casa e sua personalidade aflorada a antagonizam, basicamente, com outros dois personagens femininos: D. Úrsula, tia de Estácio, que reage com a divisão da herança com uma filha bastarda; e Eugênia, moça da corte cujo casamento com Estácio havia sido engendrado pela família exatamente por conta da enorme herança que ele receberia sozinho.
Com o passar do tempo, Helena ganha o respeito de D. Úrsula e do resto da corte, que passa a tratá-la com deferência. A ascensão social que ambicionara ao aceitar uma herança que não lhe pertencia acontecia gradativamente, e pretendentes não lhe faltavam. Mas ao mesmo tempo, o interesse de Helena por Estácio - e vice-versa - evolui para admiração, carinho, afinidade, e os sentimentos entre os dois vão se desenvolvendo. É aí que ocorre o grande conflito da trama: Helena e Estácio se apaixonam perdidamente. Estácio passa a viver atormentado pelo que considera um amor incestuoso, já que acredita que Helena seja sua irmã; por outro lado, Helena passa a se atormentar com o fato de que sua mentira afastou-a de seu amor de forma irrevogável. Em outras palavras, Estácio se atormenta porque não sabe a verdade, e Helena se atormenta porque sabe.

Embora Machado deixe claro que Helena não é irmã legítima de Estácio, esse conhecimento dentro da narrativa pertence apenas à heroína - o que aumenta a sua carga. Helena suporta um tormento particular, mas, ainda assim, fomenta o tormento de todos à sua volta. O fantasma do incesto permeia toda a interação entre Helena e Estácio, e os ciumes romanticos de Estácio em relação à "irmã" tornam-se cada vez mais evidentes, sobretudo quando Helena aceita se casar com Mendonça, amigo de Estácio. Não obstante, é um padre o primeiro a perceber que os sentimentos entre os irmãos não são fraternos. Mas, junto com o amor revela-se também a verdade.

E a verdade, na trama de Machado, se materializa numa casa de bandeira azul. Uma construção modesta no meio do caminho de Helena e Estácio, notada na primeira vez que cavalgaram juntos. A casa da bandeira azul é pintada num quadro por Helena que, instintivamente  presenteia o quadro à Estácio no dia de seu aniversário - e aqui podemos perceber como Machado trabalha a psicologia da personagem, ao fazê-la preparar o caminho para a revelação da verdade, ainda que inconscientemente, expiando-se assim da propria culpa. A curiosidade em relação ao interesse de Helena pela casa faz com que Estácio a siga em uma de suas constantes visitas ao local. Chegando lá, encontra um homem de meia-idade, que Estácio descobre mais tarde ser Salvador, o verdadeiro pai de Helena. Salvador conta que fora abandonado pela mulher Angela, que fugira com a filha ao se apaixonar por outro homem - neste caso, o pai de Estácio. Esse mesmo homem, sendo rico, sustentava uma casa para Angela e tratava Helena como sua filha. Com a morte do conselheiro e a perfilhação de Helena, Salvador achou melhor ela continuar mentindo para ter uma vida confortável.

Agora Estácio também sabia a verdade - mas como revelá-la, sem causar um rebuliço social? Assim, Estácio resolve mais uma vez, conformar-se. Deixar tudo como está. Mas essa não seria a atitude de Helena.

Sem conseguir purgar a mentira dentro de si, Helena pega uma chuva forte e cai seriamente doente. A chuva, neste ponto da narrativa de Machado, assume o carater simbolico da purificação, da alma e do corpo tentado ao pecado no seio da família. Desse modo, a alma de Helena se "limpa", e o seu corpo definha rapidamente. A sugestão de Machado é que, ao perceber que a verdade provocaria julgamentos, preconceitos e retaliações de uma corte conservadora, Helena se deixa consumir pela doença, para morrer. Estácio se desespera a confessar seu amor, e o ultimo ato de Helena é o único beijo de amor do casal, já livres da mentira e também, do julgo da sociedade. Helena, de uma certa forma, prefere a morte ao ostracismo. Martirizando-se torna-se uma lembrança eterna, e eterno também será o seu brilho.

A construção do conflito psicológico da personagem, e a sua constante oscilação entre anjo e demonio, são características básicas da visão machadiana do feminino. Em Helena, a morte da protagonista é também a sua redenção, o seu modo de colocar um ponto final no tormento que ela mesma causara - de maneira que, com o seu desaparecimento tudo volta ao ponto de partida - a morte, um testamento, uma repartilha dos bens, e um casamento arranjado para apagar o vazio que Helena deixara. Mas os personagens não seriam os mesmos, apenas versões amadurecidas pela dor, endurecidas. Helena deixara uma marca. A marca de uma personalidade absorvente, encantadora, em cuja transgressão reside o sentimento, e em cuja renuncia reside a sua eterna imagem.


Proximo fascúculo: Sofia  (Quincas Borba,1891)

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Um comentário:

Maria Auxiliadora de Oliveira Amapola disse...

O filme Capitu sempre passa na TV cultura. Já o assisti duas vezes. A história é boa, mas o filme é ruim demais. A artista principal não tinha expressão alguma, parecia uma estátua o tempo todo...

Eu li Helena há mais de quarenta anos. Gosto muito da obra dele.

Um grande abraço. Bom fim de semana.

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