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PECADORES CONFESSOS...

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Madalena




Tinha todos os defeitos. Insubordinada, voluntariosa, metida. Tinha aquela teima rudimentar. Gostava demais de rir, e quando podia, falava muito, nem que fosse com as paredes.
Não conhecia medida de nada - pensamento, sentimento, tudo ia longe, tudo parecia a eterna felicidade ou um contínuo sofrimento. Madalena era assim, rainha de si, sua própria bomba-relógio.
Passava na rua um dia, e um idoso cabisbaixo pediu uma esmola. Solícita, Madalena deu todos os seus trocados. Ao agradece-la, o homem disse:
"Vamos fazer uma aposta?"
A pergunta pegou Madalena de surpresa. "Como assim?"
"Uma aposta. E antes que Madalena respondesse, continuou: "E um aviso: nem todo caminho é curto."
"Como assim?" Madalena perguntou. "Voce não sabe aonde quero chegar"
"Nem você", e o velho abriu um sorriso sem dentes. "Paciência, moça. Olhe para o lado, respire. Voce passa pela vida como um furacão. E quando olha para trás, nada mais resta de você"
"Você é bem abusado. Quem voce pensa que..."

"Quer apostar ou não?"
Nada instigava Madalena como um desafio. Seu olhos cerravam, sua boca secava, sua pele de cobre abrasava e tudo ardia por dentro. As palavras saíram de sua boca um segundo antes do resto do mundo.
"Tudo bem. Qual o lance?"
"Aposto que nas outras tres vezes que voce me encontrar, vai fingir que não me conhece"
"Tá me chamando de esnobe?"
Desta vez o velho apenas sorriu, sem mostrar os dentes que não tinha.
"E como sabe que vamos nos encontrar mais vezes?"
"Eu ando devagar", disse o velho se afastando, sem olhar para trás.
"Ei, e se eu não te ignorar", Madalena gritou, "o que eu ganho?"
"Carater, respeito", o velho respondeu, "tempo..."
Madalena fez o de sempre: riu de gargalhar, retomou seu caminho, deu dois passos, mas achou estranho demais apostar com um homem que ela nem conhecia. Olhou para tras para desfazer o trato, mas era tarde.
O velho desaparecera tão rápido quanto a poeira que ela levantava dos sapatos.

***
Madalena seguiu em frente, para mais e menos, para coisas grandes e pequenas. Teve uma vida cheia, e um vazio que nunca conseguira preencher. Uma fome inveterada de tudo o mais que parecia não ter vivido. Mas na verdade, viveu muito. Teve amores e perdas, como tinha de ser. Tinha o mesmo riso alto, o mesmo fogo nas ventas, mas o andar... ia ficando mais lento, mas no compasso da sua existência. Podia até ver melhor as pessoas. Podia dizer, com orgulho ou desdém, que tinha ajudado muita gente.

Madalena era a mesma de sempre. Talvez, mais livre. Mais com a sensação do dever cumprido. Ou quase...

Durante os mais de 90 anos de sua existencia, todas as suas andanças, todas as pessoas que conhecera, amara e compartilhara a vida...todas estavam lá, em volta dela, quando seus pés não aguentavam mais o peso do corpo. Faltava apenas uma pessoa.

Aquele senhor de fala mansa e andar cadenciado que apostou uma vida inteira com ela nunca mais cruzou seu caminho...ou cruzou?

Depois do tanto por que passou, depois de estar ali, cercada de tudo e de todos, já não tinha tanta certeza. "Carater, respeito, tempo..." ele dissera.

É, bem...

No fim, fechando o olhos, abriu um baita sorriso de surpresa e alívio. "Te peguei", foram as últimas palavras. Aquela aposta, com toda certeza, ela ganhou de lavada.

por Claudinha Monteiro


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