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domingo, 3 de junho de 2012

A Garota com o Dragão no corpo: a guerra dos sexos no romance de Stieg Larson

Banner da versão americana do romance para o cinema (2011)


 
A trama de The Girl with the Dragon Tattoo (A Garota com a Tatuagem de Dragão), titulo em inglês do romance de 2005 escrito pelo sueco Stieg Larson, gira em torno de uma mulher com um passado marcante e triste, que a transforma em um espírito impulsivo, com uma língua ferina e um parco auto-controle, na visão de seus tutores. Perdida num mar de referencias à sociedade patriarcal, essa mulher estabelece uma relação de amor, ódio e poder com o mundo masculino que parece cerceá-la. Neste sentido, o título original do livro, Män Som Hatar Kvinnor (Os homens que odeiam as mulheres) cai como uma luva.

Lisbeth Salander é uma mulher de 24 anos que vive sob a tutela do Estado, devido a uma suposta propensão à violência (Lis fora acusada de assassinar o pai biológico). A personagem é descrita como franzina, andrógina, que não aparenta a maioridade. O corpo frágil e sem grandes atrativos esconde, porém, uma personalidade arredia, questionadora, e uma inteligência acima da média - qualidades estas que, aliás, lhe rendem o emprego e a reputação de investigadora particular. No entanto, esse poder incipiente da protagonista parece chocar-se a todo momento com os personages masculinos da trama - ainda que estes personagens não necessariamente antagonizem com ela. O enredo é cercado de figuras paternas que regem a vida de Lisbeth - seu guardião financeiro, seu patrão e mais tarde, seu parceiro de trabalho tem participações importantes na sua trajetória.

A ideia de aprisionamento parece estar muito presente na narrativa, sobretudo para os personagens femininos em geral. Lisbeth é o paradigma dessa ídeia, já que tem toda a sua vida controlada por homens - e a personagem busca libertar-se desse constante monitoramento. No caminho para liberdade, Lisbeth acaba pagando na mesma moeda a violencia praticada contra ela, tanto através da depreciação moral - na alegação de sua incapacidade mental - como também o abuso físico, quando um de seus guardiaes  financeiros começa a exigir favores sexuais. É então que percebemos que a natureza violenta de Lisbeth é uma questão de perspectiva - o que o senso comum masculino entende como "ataque", o senso feminino entenderia como "defesa".  Lisbeth vinga-se do guardião estuprador e ainda reverte o seu jogo de poder contra ele, forçando-o a considerá-la capaz de gerir seu proprio dinheiro.

Da mesma forma, a percepção super-desenvolvida da protagonista cria uma relação de dependência com o patrão, Dragan Armanskij, que passa a confiar quase que exclusivamente a ela as investigações mais complexas. O afeto platônico entre funcionária e patrão denota uma das poucas relações saudáveis do livro mas, ainda assim, só  acontece depois que Armanskij aceita que Lisbeth seja independente na forma de fazer  o seu trabalho. De qualquer modo, é numa de suas investigações que Lisbeth conhece Mikael, um jornalista farejador de escândalos encrencado com a justiça, que acaba contratado por um milionário moribundo para supostamente escrever as memórias da familía - mas, na verdade, para investigar o misterioso desaparecimento de uma de suas sobrinhas, 40 anos antes.

O milionário em questão, Henrik Vanger, é o esterótipo do poder patriarcal. Dono de um império industrial, Vanger tem certeza que Harriet, a sobrinha desaparecida, fora assassinada por um membro da família. O interessante aqui é que apesar do extremo apelo chauvinista que cerca o clã Vanger, Henrik pretendia fazer de Harriet - uma menina extremamente perceptiva e inteligente - a herdeira de todo império, subvertendo as convenções machistas. Antes disso, porém, Harriet desaparece sem deixar rastros durante uma festa familiar. E desde então, todos os anos na data de seu aniversário, Henrik recebe uma flor emoldurada de presente, que era o mesmo presente que Harriet lhe dava até sumir.

É importante atentar para a simbologia que suscita a imagem da flor (normalmente associada à essencia feminina) transformada em um quadro, sufocada atrás de vidros e molduras. É uma metáfora que serve perfeitamente à trama do livro, que apresenta personagens femininas de épocas e histórias familiares diferentes sofrendo o mesmo tipo de castração individual, a mesma deturpação de valores. Mikael descobre, por exemplo, que Harriet era vista pela familia como introspectiva, emocionalmente instável e por vezes até promíscua. Mas a relação dela com o tio Henrik era de cumplicidade e entendimento, sendo Henrik o único membro masculino da família em que Harriet efetivamente confiava. Neste sentido, Harriet funciona como um interessante duplo para Lisbeth, ambas depreciadas e subjugadas. E mais adiante na narrativa, quando o misterio do desaparecimento de Harriet é revelado, encontramos semelhanças ainda mais profundas entre as duas personagens.

Mikael Blomkvist, o jornalista investigativo, também habita o universo de homens da trama que possuem relacionamentos complicados com o sexo oposto. Co-fundador de uma revista, mantém um relacionamento sexual com a sócia, que acabou por destruir seu casamento. Ateu, entra em conflito pessoal com a filha quando esta decide participar de um grupo bíblico. Na verdade, a vida pessoal de Mikael gira em torno de mulheres independentes, instintivas, voluntariosas. Lisbeth Salander, a investigadora punk que esmiuçara sua vida para os Vanger, é mais uma dessa lista. De tão impressionado com os seus recursos (nem todos legais), Mikael convida Lisbeth para ajudá-lo a descobrir o paradeiro de Harriet Vanger - e de fato, são as descobertas de Lisbeth que dão o completo sentido da expressão-título "Os homens que odeiam as mulheres".

(continua...)




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