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PECADORES CONFESSOS...

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Mulheres que Pecam n.1 - Jane Eyre

A história de Charlotte Brontë, na minha opinião, é um dos primeiros manifestos abertamente femininos (como também feministas) que surgiram na prosa romântica. A protagonista Jane é a anti-musa: nas suas próprias palavras, uma moça simples, sem refinamentos nem beleza. Orfã de pai e mãe, de personalidade forte desde criança , não aceita os maus-tratos da esposa de seu tio - Sra. Reed - e de seus três filhos. Internada num colégio de padres, educou-se praticamente sozinha, sobrevivendo às rígidas regras de conduta dos religiosos, que lhe aplicavam sucessivas punições por considerarem que Jane possuía o que chamavam de "espírito rebelde".
Sustentando-se com a experiencia adquirida no colégio interno, Jane aceita um posto na casa de Edward Rochester, um homem rico, charmoso e misterioso, acostumado a belas mulheres. Jane se mostra sempre firme, gentil, mas sem finos tratos. Sua franqueza e fortaleza de caráter acabam conquistando o poderoso Rochester, por quem também se apaixona. A grande sutileza do romance está na construção do arrebatamento entre os personagens - a tensão sexual entre os dois é explícita, assim como o equalização de seus espíritos e personalidades. Mais sutil ainda é o fato de que tal encantamento é estruturado num contundente crescendo antes que se descubra a raiz do mistério que cerca a casa de Rochester - a esposa louca no sótão. É importante observar a atmosfera transgressora que envolve os principais personagens femininos da trama. Jane, de uma hora para outra, se descobre uma quase amante, mas sua ignorância dos fatos a redime, num primeiro momento; ao contrário de Bertha, a esposa, que se uniu a Rochester num casamento arranjado pela família, que a escondeu do noivo até o dia do casamento para que ele não percebesse sua loucura. A vitimização de Rochester e o sentimento avassalador e sincero já enraigado entre Jane e o patrão ajuda a criar no leitor moderno uma propensão a relevar o aspecto transgressor da atitude de Jane. Mas é claro que em pleno sec. XIX, a sociedade vitoriana, católica fervorosa e patriarcal, torceria indubitavelmente o nariz para o livro e assim, precisava de um pequeno alento moral; por isso mesmo, a saída é enviuvar Rochester - Bertha morre num incendio provocado por ela mesma. Brontë deixa, no entanto, um aperitivo amoral em Jane, novamente sutil, quando faz com que ela decida voltar para Thornfield mesmo antes de saber que Rochester já era viúvo, insinuando que a esposa não seria um empecilho.
A faceta transgressora da personagem, porém, não se resume ao adultério. Gibert & Gubar, no seu fundamental livro The Madwoman in the Attic (A mulher louca no sótão, numa referência a Bertha Mason) aponta um interessante paralelo entre Jane Eyre e a esposa de Rochester, sugerido que a fúria contida de Jane, a base de seu "espírito rebelde" encontraria uma versão explícita na loucura de Bertha: "[Bertha] é o lado furioso da criança órfã, o segredo feroz que Jane tenta reprimir desde os seus dias em Gateshead [a casa de Mrs. Reed]. Porque, como Claire Rosenfield coloca, 'a novelista que consciente ou inconscientemente explora os duplos psicológicos' frequentemente justapõe 'duas personagens, uma representando a personalidade socialmente aceitável e convencional, a outra externalizando um eu livre, desinibido, e constantemente crimonoso'" (2000: 360). De fato, em várias passagens do livro Bertha parece externar os pensamentos, os medos e os sonhos mais íntimos de Jane, como quando ela rasga o véu de noiva que Jane estranhara em sua cabeça um dia antes; ou quando põe fogo na casa, fazendo com que Rochester perca a visão de um dos olhos e uma das mãos, exatamente como Jane tinha profetizado antes de deixá-lo. A união final entre o aleijado Rochester e a auto-determinada e forte Jane, no fim do livro, sugere um acerto de contas entre o masculino e o feminino, uma equalização de poderes, como também o fim de um processo de maturação de ambos os personagens. Abaixo, um pequeno videoclip com algumas cenas da minha versão favorita de Jane Eyre para a TV, dirigida por Franco Zefirelli em 1996.



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