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sábado, 8 de janeiro de 2011

O homem, a mulher e o sexo em DRÁCULA, de Bram Stoker


Parte I - Ceticismo e Vampirismo - Os personagens masculinos



"Drácula" (1897), de Bram Stoker

Nos grupos de discussão da faculdade sobre Drácula (1897), sempre nos incomodávamos com o fato de que a estória parecia pender para um exagerado maniqueísmo, uma visão preta e branca do mundo - isso é isso e aquilo é aquilo. Assim, o que víamos a grosso modo é que Drácula era mal, e todos os demais seriam redentores. Isso porque a narrativa nos apresenta o Conde como numa foto antiga, amarelada por um tempo que jamais é narrado. Não existe um processo de maturação do personagem, um desenvolvimento narrativo qualquer que nos permita estabelecer quem, como, quando, onde e, sobretudo, por quê. Drácula simplesmente é. Um produto de contos ancestrais, uma figura mítica, indeterminada e pervertida. A aparente falta de aprofundamento estético do personagem contrasta com a sua maldade intríseca e aparentemente injustificada. Neste contexto, os personagens desenhados a sua volta seriam imediatamente o seu oposto, isto é, o Bem encarnado. Sim?

Será que tudo é mesmo tão simples? Ou por outra, será que tudo era mais simples antigamente?

 A nossa visão contemporânea de mundo, que nos incita ao estudo psíquico, emocional e contextual do personagem, talvez acabe nos cegando para a análise do contexto em que a história foi escrita. Por isso neste artigo pretendo traçar um paralelo entre o livro de Bram Stoker e a sua versão para o cinema de 1992 estrelando Gary Oldman, Winona Rider, Keanu Reeves and Anthony Hopkins. Escolho esta dentre todas as versões de Drácula pois é a mais proxima ao texto original de Stoker. O objetivo é perceber como uma leitura moderna dos personagens propicia uma adequação surpreendentemente coerente àquilo que não está explicito na narrativa, como uma alternativa que poderia estar sugestionada no próprio livro. Enfim, como o olhar do nosso tempo não distorce, apenas confere ao personagem a profundidade que "parece" não estar lá.

Vamos começar com o texto de Stoker em si. A narrativa se estabelece de forma epistolar, isto é, através da transcrição de uma série de cartas, diários, recortes de jornais, etc., nos quais os personagens dão conta da história sinistra de um homem-demônio, um ser híbrído com uma maldade inata, imperdoável - e o seu subsequente extermínio por uma força-tarefa criada pelos homens. A violência e o instinto de competitividade impregnados no texto de Stoker evidenciam uma narrativa tipicamente chauvinista, cheia de estereotipos masculinos e femininos. Os homens são sempre céticos, mas avenureiros. Corajosos, mas violentos. A representação do conhecimento científico constantes nos relatos de Jonathan Harker, do renomado Dr. Abraham Van Helsing e de seu aluno Dr. Seward (que dirige um sanatório) não muda o instinto animalesco que permeia as individualidades masculinas da trama. E nem poderia, porque a ciência não comporta o Mal, a figura do morcego-demônio, alhos e estacas. A ciência em Drácula vem representada potencialmente na forma da narrativa, que pressupõe um objetivo empírico de se documentar algo que de outra forma, seria inacreditável. Convive, portanto, com um estado de permanente suspensão, onde o mito confronta toda e qualquer realidade e desafia a capacidade humana de se sustentar sob o seu arquétipo fundamental, o corpo.

Os homens da trama, a meu ver, representam este corpo com um poderoso desejo de sobrevivência. Jonathan Harker, um advogado que se depara com o sobrenatural ao hospedar-se num antigo castelo, tem o seu corpo jovem contrastado de imediato com o aspecto decrépito do dono do lugar. Os primeiros capítulos do livro são como uma viagem mística, onde Jonathan descobre a libido, a curiosidade, o medo, e insiste naquilo que conhece até o limite da loucura - quando, doente e febril, precisa fugir do lugar onde experimentou a transcendência, uma força fora de seu controle que emana, exatamente, do velho conde. Drácula, o homem cujo corpo já quase inexiste.

No filme de 1992, esta primeira parte da narrativa ganha um adendo fundamental - um passado para Drácula. Nos primeiros minutos de filme, sabemos que Drácula (Gary Oldman) era um jovem guerreiro cristão que de repente tem de enfrentar uma tragédia: sua noiva Elizabeth (Winona Rider) se suicida após receber uma falsa notícia de que Drácula havia morrido. Revoltado com o que acredita ser a vontade divina, Drácula se tranforma num homem amargo que sacrifica o corpo e a mortalidade para ter a chance de se encontrar novamente com Elizabeth, em vidas futuras. A ideia do roteiro mistura os mitos ancestrais sobre um líder sanguinário conhecido como "O Empalador", o mito católico de Satã, o anjo caído e crenças mais recentes sobre a reencarnação do espírito e o reciclo eterno da vida e da morte.

Mas, ainda assim, provém para a maldade de Drácula uma origem, um ponto a partir do qual se começa a entender a estranha psique do protagonista. Um ponto que, não obstante, encontra respaldo no romance. Embora jamais mencione o que se passou com o conde antes da chegada de Jonathan Harker, Stoker confere ao leitor a inferência de um passado traumático para Drácula que, a certa altura, afirma (às três vampiras no castelo): "Sim, eu também posso amar. Voces mesmas sabem do meu passado. Não é verdade?" (cap. 3; p. 53).


Cartaz de "Drácula" (1992)


Drácula se torna, numa leitura contemporânea, uma espécie de herói Byroniano, um ser trágico, sem saída. Ao se voltar contra a fé, renunciou a si mesmo. A sua individualidade fragmentada se desprende do corpo saudável da juventude, transformando-se numa criatura egocentrica e sem limite. Sem morte, como todos os vampiros.

O outro vértice masculino da trama, Jonathan Harker, é um homem reto que se vê obrigado a questionar seu discernimento quando viaja para a Transilvânia para lidar com um velho Conde que mora sozinho num castelo - e acaba se deparando com a estranheza, e o desconhecido. Cético, Harker vê a necessidade empírica de provar-se são. Assim, documenta em um diário a sua experiência no castelo de Calfax (como é chamada a propriedade de Drácula). Harker representa de certa maneira o senso comum, a instituição, a norma. Mas carrega dentro de si um fragmento, um exagero em sua psique, que é potencialmente liberado no recanto inóspito do Conde Drácula. Um lugar suspenso da realidade, um limbo, completamente incompatível com a identidade linear que Harker criou para si. A cordialidade entre Harker e Drácula esconde uma competividade latente, em que o sobrenatural coexiste com o natural - mas, tenta, a todo custo, vencer.

A narrativa de Stoker nunca esclarece se a "prisão" de Harker no castelo era literal ou psiquica. Se o poder "sugador" de Drácula também consistia em exaurir a resistência individual do advogado. Mas Drácula queria o sangue de Harker, queria o corpo do qual desistira. Por que? E por que Harker, especificamente? No filme, justifica-se o interesse de Drácula em Jonathan Harker (Keanu Reeves) através de sua noiva, Whilelmina Murray (Winona Rider) - ou simplesmente Mina, que seria a reencarnação da amada morta do Conde, Elizabeth. O Drácula do filme e do livro compromete propositalmente a saúde de Harker e enquanto este está desaparecido na Transilvânia, viaja de navio para a Inglaterra a fim de encontrar Mina e reconquistar o que ele acredita ser o seu grande amor retornado. Durante a viagem, ataca selvagemente os tripulantes do navio para se "alimentar" e gradativamente, recuperar a aparência saudável e jovial da qual um dia abriu mão. A exaustão mental e física de Harker e a viagem de Drácula estão representadas no filme de forma absolutamente fiel ao relato epistolar de Stoker; apenas a motivação do protagonista é acrescentada.

Stoker sugere tanto a intenção do Conde em debilitar Harker quanto uma certa insistência para que Harker não mantenha nenhum contato pessoal nas suas correspondências. Drácula pede expressamente ao advogado que, quando for escrever suas cartas, ater-se exclusivamente a assuntos de negócios - proibindo-o, de forma velada, de se comunicar com a noiva,  Mina. O texto de Stoker é referenciado, sutil, e em nenhum momento sugere que Mina e Drácula tenham qualquer relação anterior; ainda assim, o fato de Stoker ter estruturado a narrativa a partir da convergência de pontos de vista de vários personagens abre lacunas providenciais ao texto, sobretudo se pensarmos que o livro foi escrito no sec. XIX, no auge do período vitoriano e da Inglaterra industrial. Questões como o casamento, fidelidade, religião, ciencia eram delicados e estavam no cerne de um país com uma identidade em desenvolvimento. Assim, a máscara epistolar dada à narrativa disfarça as suas sutilezas, como também uma construção mais complexa nas relações entre os personagens.

No próximo post, falaremos especificamente dos personagens femininos, e da solução estética do filme Drácula para as representação do amor no romance de Stoker. Aguardem!

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3 comentários:

Flávia Shiroma disse...

Oi Claudinha!
Muito interessante as comparações que você fez. Falar sobre o Drácula é complexo demais. Como você mesma disse, Drácula é Drácula, sem tempo, sem história, sem muitas explicações psicológicas.
Parabéns pelo texto!

Um abraço,

Anônimo disse...

Uauuu!!!adorei saber um pouco mais sobre o DRÁCULA...texto super interessante...adorei sua visita no meu blog...de coração muito obrigada pelo seu comentário doce que vc.me deixou...e vc.tb.me perguntou o nome da música que está tocando de fundo...é da maravilhosa cantora Rihanna...a música é:Stupid in Love.
boa semana cheia de amor...beijos queridaa!!!

Vanessa Souza disse...

Gosto muito da trama e aguardo.

Beijos.

http://vemcaluisa.blogspot.com/

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