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sábado, 17 de abril de 2010

Esperança, jogue suas tranças!!!

"Mulher lendo" - Bottero


Esperança tinha os olhos verdes e longas tranças nos cabelos. Era como a princesa na torre, com um eterno sorriso, a voz doce de cantada, olhando sempre o horizonte e esperando, esperando...

Andava sempre trocando as pernas, como que tropeçando no próprio peso. Ah, sim, Esperança tinha um peso enorme para carregar. Era muito alta e forte e, por isso mesmo, desengonçada. Era sempre a última a chegar a qualquer lugar.

Estava a Esperança um dia consigo mesma, embaixo da frondosa macieira no jardim. Ela pensava que há muito ninguém a procurava. Pensava e voava com o pensamento, junto com os pássaros. Não sentia o tempo, nem a solidão. Esperança tinha aprendido que meninas grandes, pesadas e atrapalhadas ficavam muito tempo sem ninguém em volta. Não se lembravam delas até que precisassem muito, ou até que não tivessem mais nada em que se apoiar.

Mas Esperança era grande por fora e por dentro. Tinha sempre lugar para as outras pessoas. Era sempre alegre, tinha o dom de apaziguar. Parecia saber que um dia após o outro, vários outros, vários dias e meses, não eram suficientes para afastar todo mundo dela. E que mais tarde ou mais cedo, alguém acabaria batendo na porta.

Então naquele dia embaixo da macieira, Esperança ouviu um barulho. As batidas de sempre, sempre que as ouvia: apressadas, e com muita força. Por que as pessoas precisam ser tão impacientes?, pensava.

"Tô indoooooooo...", gritou; e lá se foi Esperança, caminhando no seu tempo de moça que espera o mundo. A cada passo as batidas pareciam exasperar. Era um longo caminho o da Esperança, e servia sempre para fazer as pessoas ficarem nervosas mas, ao mesmo tempo, elas pareciam descontar todo o nervosismo na sua grossa porta de madeira.

Quando abriu a porta, levou um susto. A mulher estava mesmo num péssimo estado. Parecia cansada de tanto bater. Parecia ter perdido muita coisa.

"Nossa, o que houve, moça?"

"Minha casa ruiu. Foi terra e lixo abaixo. Minha família, meus moveis, minha vida, deslizou...deslizou terra abaixo."

Esperança queria saber chorar. Mas sempre foi lenta de emoções. Na falta de lágrimas, fez o que sabia fazer: estendeu a mão.

"Venha, vamos comer alguma coisa."

A mulher entrou como quem entra no nada. Tinha nos olhos um vazio imenso, um imenso espaço faltando entre os poros. Ou pelo menos era assim que Esperança a enxergava. Tinha que trazê-la de volta.

Era um longo caminho até a casa, e Esperança chegava devagar. A mulher também não tinha pressa, porque não tinha aonde ir. Então, Esperança a fez falar.

"Nunca tive muito. Mas meu marido, meus três filhos eram tudo ‘pra’ mim. Faço bicos em casa de família, e meu marido trabalha...(engole seco) trabalhava em obra. A gente ia vivendo. Até ontem. Eu ‘tava’ vendo televisão na sala, e escutava de longe a bagunça ‘dos menino’. Aí, de repente... não deu tempo de nada. O barulho era muito forte, levei um susto e corri pra porta que tava aberta. Na hora, não pensei, mas aí, eu olhei pra trás...não tinha nada. Minha casa,meus filhos,minha vida inteira...não sobrou nada."

A mulher chorava e Esperança só ouvia. Depois de um tempo, o choro secou, a voz calou. Tinha acabado. E também tinham chegado à porta de casa.

Calmamente, Esperança disse: "Entre".

A mulher entrou.



O tempo que eles levam na casa varia muito. Por muitos dias, Esperança os deixa a sós. É preciso deixá-los caminharem com as próprias pernas, sem a muleta da Esperança sempre por perto. É preciso apenas apoiá-los se estiverem prestes a cair; se não, devem se sustentar por si mesmos.

Esperança sempre os arranjava trabalho. A mulher limpava a casa, lavava, passava. Esperança fazia questão de pagar. Era uma questão de dignidade.

Quando estava só, a mulher chorava seus queridos. Ela sempre o faria. Esperança não podia mudar isso. Mas podia ajudá-la a ocupar o tempo, o corpo, a mente...levantar.

Depois de algumas semanas – poucas ou muitas, quem sabe meses – a mulher resolveu ir embora. Tinha parentes em outro canto, e agora tinha como alcançá-los. Ela ainda não sorria. Mas andava com passos firmes, em direção à saída. A sua saída.

Esperança sempre os acompanhava até o portão. Gostava de ouvir os planos, os sonhos, a saudade...tudo o que traziam e tudo que levavam.

De forma que quando iam embora, sempre deixavam um pouco de si pra trás; e em troca, levavam sempre um pouco de Esperança com eles.

Então naquele dia (depois de algumas semanas), a mulher saiu resoluta, um passo após o outro, e olhando pra frente. Missão cumprida.

A Esperança?

Voltou para o seu enorme jardim, naquele mesmo compasso de espera, com aqueles mesmos olhos de paisagem. Tinha prometido a si mesma que seja quem fosse para quem abrisse a porta, abriria com prazer, tanto para entrarem quanto para saírem. Abriria e fecharia sempre, quantas vezes fosse necessário, para todas as pessoas. Até o dia, pensou sorrindo, que abrisse a porta para si mesma. Mas isso, ela também já tinha se prometido, só aconteceria quando ela já tivesse aberto a porta para todo mundo. Esperança era sempre a última a chegar – e seria também a última a sair.


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