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PECADORES CONFESSOS...

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Mulheres de Shakespeare Vol.II - LADY MACBETH



A primeira vez que eu li Macbeth, de W.Shakespeare, eu estava estudando teatro elisabetano na faculdade. Lembro-me que foi a primeira peça de Shakespeare com a qual tive contato, talvez porque Macbeth seja a peça mais curta do dramaturgo e nós tínhamos uma  ementa extraordinariamente grande e uma carga horária, para variar, insuficiente. Embora esta peça já tenha sido escrita durante o reinado de Jaime I, ainda podemos identificar muitos elementos característicos dos enredos elisabetanos, sobretudo na intricada relação entre o humano, o divino e a natureza. Nesta peça essa relação está fortemente marcada e, pode-se dizer que constitui o cerne do elemento trágico que se desenvolve na trama. Macbeth é a historia de um homem que trai sua natureza, ao tomar um atalho sem volta influenciado por manifestações do fantástico - e sobretudo, pela figura profundamente terrena de sua esposa, Lady Macbeth - que para tanto, também trai sua essência. É sobre a participação dessa controversa senhora no trágico destino dela mesma e do marido que vamos falar neste post.
Embora o título desta peça de Shakespeare se refira apenas ao nobre guerreiro usurpador, Macbeth poderia facilmente tornar-se The Macbeths - porque o ciclo trágico desta trama não se abate apenas sobre o protagonista, mas sobre o casal. O pathos que se inicia a partir da previsão das Três Bruxas -que saúdam Macbeth à beira da estrada com uma série de títulos nobres e por último, com um enigmático "que será rei no futuro próximo" (I,3) - tem um significado, ainda que sombrio, primeiramente para a dama do que para o cavalheiro. Quanto Lady Macbeth recebe a carta em que o marido relata o encontro com as Três Bruxas, imediatamente percebe o potencial maligno daquelas previsões - e se rende a eles, porque percebe também que o marido é "cheio demais da 'generosidade humana' para seguir um caminho mais curto" (I,5). As palavras de Lady Macbeth espelham os pensamentos do marido que, ao tomar conhecimento de um adversário na disputa pelo trono do velho Rei Duncan, pede que as estrelas escondam suas luzes para que mascarem suas intenções (I,3). Enquanto o marido amadurece a imaginação, a esposa parte para a ação, e invoca os poderes das trevas para que a façam esquecer a sua natureza feminina e dêem a ela a virilidade que ela pensa faltar no marido, para que ela o conduza a conseguir a coroa no presente, e não num futuro próximo.
Quando falamos de Otelo, dissemos que a tragicidade da peça residia no fato de que se tentava a todo custo extirpar a influencia do poder feminino na peça, para que imperasse apenas o "mundo de homens" (Neely, 1983). Em Macbeth, temos o mesmo projeto de extirpação da feminilidade, mas o agente dessa supressão é uma mulher, que escolhe voluntariamente deixar de ser mulher para integrar-se da natureza competitiva do homem e assim, estimular o marido a conquistar o poder pela força, a usar o seu espírito guerreiro a seu proprio serviço. Macbeth não é tão idealista quanto Otelo e é bem mais ambicioso. Mas ambos recorrem à violência sob pressão e ambos são altamente sugestionáveis. O diferencial da trama, nas duas tragédias, é a conduta feminina - Desdemona e Lady Macbeth defendem seu casamento com unhas e dentes; são esposas dedicadas, apaixonadas. Ambas são donas de um forte exame de consciencia, e fieis aos seus desejos e objetivos.
Ambas são complementares aos maridos - embora Desdemona não tenha tido tempo de consruir uma convivência com Otelo, ela tinha aquilo que ele esperava numa mulher - sexualmente, politicamente, culturalmente, socialmente. Ela podia complementá-lo naquilo que ele não possuía de berço. E mais, Desdemona o admirava como homem, e como guerreiro; Lady Macbeth não tinha tanta fé na virilidade do marido - vamos comprovar, mais tarde, que essa descrença tem uma forte conotação sexual - e esperava completá-lo neste quesito, como também na inescrupulosidade, na violencia premeditada, na capacidade para estratégia - mas para isso, ela precisava fugir completamente do estereotipo da esposa ideal e mais ainda, do estereotipo da mulher ideal. Ela precisava ser o homem da relação e transformar generosidade em maldade, ambição em ganância, previsão em realidade, promessa em poder. Em suma, Desdemona foi eliminada porque defendeu a propria essencia; Lady Macbeth foi eliminada porque negou a sua.
A participação de Lady Macbeth é bem frequente nas primeiras cenas, até o assassinato do Rei Duncan. Todo o planejamento que deveria ter sido feito pelo bravo Macbeth foi engendrado pela esposa: a hospedagem do Rei, a morte na calada da noite, a incriminação dos soldados da guarda real e ainda, do adversário de Macbeth ao trono. Depois de conseguir a coroa, Macbeth planeja o assassinato de seu melhor amigo, Banquo, e tambem do filho deste, porque as bruxas também tinham previsto que os filhos de Banquo seriam reis - o que nos leva a um aspecto muito importante na nossa teoria de extirpação do feminino - o casal Macbeth, na epoca retratada pela narrativa, não tem filhos. Lady Macbeth sugere que já foi mãe, quando diz que sabe a sensação de amamentar um ente querido (I,7) - mas Macbeth deixa claro que tem um cetro esteril (atenção para o simbolo fálico contido na palavra "cetro"). Mais adiante, Macduff afirma com todas as letras que Macbeth não tem filhos (IV,3). A inexistência de herdeiros nascidos de Macbeth pode depor contra a potencia sexual do guerreiro, uma vez que as declarações de Lady Macbeth sobre amamentar uma criança deixam claro que ela é capaz de conceber. Talvez por isso Lady Macbeth desacredite tanto na virilidade do marido. Por outro lado, a esterilidade do casal Macbeth denota a ausencia do componente feminino da relação (que tem sua representação máxima na maternidade), como também a presença de uma natureza deturpada, incompatível com a conduta de um casal convencional.
Após o assassinato do Rei Duncan, Macbeth assume o trono - e a partir daí, há uma série de assassinatos engendrados por ele, sem o conselho direto de Lady Macbeth. O poder real se torna cada vez mais caro - o tormento pelo primeiro crime, e também a eterna ameaça sobre a posteridade do reino de Macbeth - um reino estéril, como ele mesmo coloca - fazem com que o novo rei siga matando, abafando insurreições, espalhando medo e revolta. Até o meio da peça, Macbeth vive atormentado pelos fantasmas dos homens que matou - sobretudo Banquo - e pela visão das Bruxas sobre uma linhagem de reis que não se originaria de sua semente. O poder não se solidifica na lei e na administração do Estado, mas na morte - e a angústia mental do Rei Macbeth se torna cada vez mais evidente. Enquanto Lady Macbeth está em cena, senhora de suas faculdades, ela ainda consegue driblar a percepção da corte, a respeito da comportamento suspeito do marido. Mas a partir do momento em que ela desaparece da trama, o seu desenvolvimento fica cada vez mais centrado no declínio de Macbeth, cuja imaginação perigosa descamba para uma violencia sem controle - novamente, há aqui a sugestão psicológica da violencia como substituta do sexo, já que o unico resquicio de feminilidade, representado na presença física de Lady Macbeth, deixa praticamente de existir.
Depois de mais uma previsão nefasta das bruxas, Macbeth se vira contra Macduff - invade o seu castelo e, na falta do homem, assassina sua esposa e filhos. E esse é o começo de sua aniquilação. Àquela altura, Lady Macbeth tem suas últimas e escassas aparições, já com a mente profundamente afetada - sonambulismos, manias como a de manter sempre uma luz acesa ou de sempre fngir estar lavando as mãos - espectros de um espírito despreparado para assumir um natureza que não é a sua. Não apenas por ser mulher, mas também por não partilhar mais das decisões do marido - depois que Macbeth começa a aniquilar tudo e todos para manter sua coroa, ele não participa mais sua mulher de seus atos. Lady Macbeth tinha ido longe demais para tomar psicologicamente o lugar do marido, do homem. Não poderia voltar a ser apenas uma mulher, mas também nunca teria o poder do homem no qual tentara se transformar. Lady Macbeth permanece então num limbo, num estado de sono permanente, representado no seu sonambulismo. E alardeia culpa por todos os lados, ao confessar durante o sono todos os atos hediondos que ajudara o marido a cometer.
O final para Lady Macbeth não poderia ser outro - suicidio. A decisão de morrer tinha que ser apenas dela - Lady Macbeth não viveu pelas mãos de outro, e também assim não morreria. Sua morte é reportada à Macbeth por um criado - e num ato de resignação com o destino da mulher, conclui que a vida é "uma historia contada por um tolo, cheia de som e fúria, significando nada" (5,5). Mas tarde, o proprio Macbeth é morto por Macduff, e mais uma vez vem a imagem da supressao do feminino. Para cumprir com a previsão das bruxas de que nenhum homem nascido de mulher mataria Macbeth, Macduff revela que ele não nascera de sua mãe, mas fora arrancado de seu ventre, antes do tempo. O feminino não influenciou a vida de Macbeth - já que sua Lady decidira renunciar à essa natureza - e também a sua morte só aconteceu pelas mãos de um homem prematuro, sem o advento do cuidado materno. O casal Macbeth, portanto, enfrenta seu destino trágico sem redenção, sem esperança, sem sentido para as suas proprias vidas. Um casal que, em nome de uma ganancia imediatista, trocou o dia pela noite, a paz de espírito pela insonia - e assim fazendo, acabaram traindo seu próprio destino.

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2 comentários:

Taynã Rodrigues disse...

gostei muito da análise.Muito bom.

Anônimo disse...

Claudinha, gostei muito do seu comentário. Lady Macbeth tb me intriga muito.
Vi q vc fez mestrado em literatura na UERJ e pretendo estudar a persuasão em personagens literários como em Lady Macbeth. Vc tem alguma sugestão de algum estudo na sua instituição?
Obrigada
Juliana

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