Elinor, Marianne e Margaret Dashwood são três irmãs de personalidades completamente diferentes. A mais velha Elinor é centrada, discreta e com uma visão de mundo profundamente realista; Marianne vive no mundo do romance, e enxerga a vida com olhos de paixão encegueirada, alucinante; e a pequena Margaret, caçula de uma casa cercada de mulheres, divide o seu tempo entre a casa da arvore, e a biblioteca onde devora livros e mapas. As “criaturas racionais” de Jane Austen mais uma vez invadem nosso blog, desta vez com o romance Razão e Sensibilidade, primeiro livro da autora a ser publicado em 1811, sob o pseudônimo “a Lady”.
Capa da primeira edição do livro onde Austen assina "by a Lady". Fonte: Wikipedia |
Vamos focar na análise das personalidades de Elinor (19 anos) e Marianne (16 anos), que personificam, respectivamente, os substantivos abstratos usados no título. Para começar, Elinor e Marianne são filhas do segundo casamento de Mr. Dashwood, que tem um filho do primeiro casamento. Segundo as leis da época, apenas filhos homens podiam ser herdeiros. Desta forma, quando Mr Dashwood morre no inicio da historia, seu filho John Dashwood herda toda a sua fortuna e, sob a influência da esposa Fanny – ambiciosa e esnobe Fanny –, não provém qualquer ajuda financeira às meia-irmãs. Toda a família de mulheres - a mãe e as três filhas passa a morar numa casa menor e distante do centro social, graças à generosidade de um parente distante da segunda Mrs. Dashwood.
A estrutura chauvinista e preconceituosa da sociedade da época é detalhadamente retratada no romance – Austen faz questão de caracterizar certos personagens paralelos com a moralidade duvidosa, o preconceito velado, o culto às aparências e ao status; e ao mesmo tempo, desenha personagens que de certa forma, desafiam boa parte desses valores, e acabam pagando por isso.
Elinor e Marianne estão no centro dessa cadeia de personagens desafiadores, mas cada uma desafia o preconceito à sua maneira. Elinor usa a discreção, a total supressão de seus sentimentos, construindo em volta de si um escudo que lhe rende a imagem de uma mulher fria, indiferente. Por outro lado, sua irmã Marianne escolhe a franqueza, a passionalidade e o entusiasmo para lidar com as dificuldades e necessidades que uma vida menos glamorosa irá lhe proporcionar. Além delas e da espevitada Margaret, há uma outra personagem feminina que desafia a moral e o bons costumes da comunidade em que vive. Mas dessa vamos falar mais adiante.
As atitudes de Elinor e Marianne se refletem em todas as situações que ambas enfrentam – e estas incluem lidar com o desejo pelo sexo oposto. Elinor sente-se atraída desde o início da história por Edward Ferrars, irmão de Fanny Dashwood e herdeiro imediato da fortuna dos Ferrars. A atração é recíproca, mas, reservada e cautelosa, Elinor não se deixa flagrar em suas emoções, já que não pertence mais ao círculo social do qual Edward participa. Os dois desenvolvem um amizade tensa, com um sentimento latente, mas não imediatamente identificado por ambos. De forma que Edward pensa não ser correspondido em seus sentimentos, e Elinor pensa não se envolver com alguém que não poderá assumir um compromisso com ela.
Enquanto isso, a bela e iluminada Marianne torna-se fruto do interesse de dois homens: o jovem Willoughby, irreverente e conquistador, mas nada nobre; e o balzáquio Coronel Brendon (35 anos), soldado vivido e marcado por uma forte experiencia amorosa. Marianne apaixona-se intensamente por Willoughby. Os dois vivem uma paixão fulminante e que salta aos olhos da comunidade em que vivem. Teria o namoro entre Marianne e Willoughby chegado às vias de fato? Aparentemente, Austen constroi uma serie de situações que indicam que Willoughby pretendia casar-se com Marianne, embora um compromisso formal jamais tenha sido firmado. Todos esperam um pedido de casamento a qualquer momento. Mas não é bem assim que acontece.
Willoughby inesperadamente troca Marianne por uma rica herdeira da sociedade londrina. Depois, fica-se sabendo que Willoughby fora deserdado pela tia que o sustentava porque engravidara uma moça a quem prometera compromisso. Sem dinheiro, Willoughby decide desposar Sophia Grey, jovem rica e maliciosa, recebendo por isso um pomposo dote. Marianne flagra Willoughby e a noiva num evento em Londres, quando lá estava de passagem com Elinor, e praticamente desiste de viver. Dentro da sua personalidade passional, Marianne se deixa consumir pela dor que para ela, é imensurável: a dor da perda de seu amor. Chega, inclusive, a ficar gravemente doente e à beira da morte. Seu leito é guardado por ninguem menos que a irmã Elinor.
Nessa mesma viagem a Londres, Elinor descobre que Edward está comprometido com a sobrinha de seu tutor, a tola Lucy Steele. Trata-se de uma promessa antiga, anterior a amizade dos dois. Edward manteve o compromisso em segredo porque Lucy também não tem dote. E quando o pretenso noivado é descoberto, Edward é deserdado pela mãe. Elinor e Marianne se decepcionam amorosamente ao mesmo tempo, e a reaçao das duas é completamente adversa: Elinor, ao contrário de Marianne, além de manter um relacionamento cordial com a “rival” Lucy, ainda faz questão de comunicar pessoalmente a Edward que o Cel. Brendon lhe conseguira uma paróquia para administrar, proporcionando-lhe honrar o compromisso firmado com dignidade.
No meio dessa reviravolta amorosa, há a revelação do nome da mulher ludibriada por Willoughby: Eliza Williams. No mundo pequeno criado por Austen, Eliza vem a ser sobrinha do Cel. Brendon, filha de seu grande amor do passado, a cunhada Elizabeth Williams. Uma jovem impulsiva, criada dentro de um casamento infeliz, que se agarra desesperadamente à promessa de um amor que nunca vivenciara em casa. A sua impulsividade lhe rende uma criança ilegitima, e pivô de um escandâlo amoroso. Num aparte crítico, eu diria que não fica claro para mim o real grau de parentesco entre Eliza e o Cel. Brendon, se é sobrinha mesmo ou…bem, de qualquer forma, o caso de Eliza põe mais pimenta na rivalidade entre Brendon e Willoughby que, de certa forma, são a personificação masculina do contraste entre razão e sensibilidade que é o mote do romance.
No final do romance, parece encontrar-se um equilíbrio entre os dois abstratos. Edward é liberado na última hora de seu compromisso, já que Lucy se apaixona pelo seu irmão Robert Ferrars, e casa-se com ele. Solteiro e nivelado socialmente a Elinor, Edward lhe propõe casamento e ela aceita, demonstrando finalmente seus sentimentos por ele. Marianne, depois de sobreviver à doença e à decepção com Willoughby, interessa-se gradativamente pelo Cel Brendon, e aceita seu amor. O final de Marianne até hoje é criticado por alguns leitores, que esperavam que ela regenerasse Willoughby, uma vez que Austen insiste que, apesar de todas as suas falhas, o jovem amava mesmo Marianne. Willoughby termina o romance apaixonado por ela e sendo obrigado a assisti-la casar-se com outro.
Entretanto, era de se esperar que as “criaturas racionais”, equilibradas e decididas vencessem as “finas damas” inconsequentes e romanticas que só pensam em casamento. Porque se não fosse assim, não seria um Jane Austen. A proposta de Razão e Sensbilidade é justamente achar um denominador comum na personalidade feminina, tão comumente associada à volubilidade e superficialismo. No momento em que a pura razão e pura emoção acham um meio de coexistir, também Elinor e Marianne apaziguam as forças dominantes em suas vidas, encontrando cada uma à sua maneira o equilíbrio e a felicidade.
5 comentários:
Bom dia Claudinha..
Adoro tua visita, retribuindo e
te convidando pra conhecer meu outro espaço ( mais pessoal), rs eu diria..
http://intempestivaa.blogspot.com/
beijoos querida bom domingo pra tí...
Claudinha,
Muito interesaante a sua postagem!!Não a conhecia...adorei!
Parabéns!
Tenha uma linda semana!
Reggina Moon
Nossa muito itneressante essa historia, eu não trinha ouvido falar dessa escritora, agora fiquei curioso para ler.
Parece ser uma boa historia.
Beijão
Amo as capas de livros antigos.
Amo Razão e Sensibilidade.
Amei tudo!!
bj
"Persuasão" foi o último romance completo de Jane Austen (1775-1817). Ela o escreveu após terminar "Emma", concluindo-o em 1816. No entanto, ele só foi publicado postumamente em 1818 e serviu como base do roteiro sobre o romance dos personagens interpretados por Sandra Bullock e Keanu Reeves, no filme "A Casa do Lago".
Se acaso ñ conhece vai gostar de ambos..
bjo
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