Ela ficou ali, sentada na calçada, por algum tempo. Estava descalça, descabelada, desenxabida, sem rumo. Não podia acreditar no que tinha acontecido. Dez anos de casamento. Dez anos! E ela dividira a cama com um estranho, todos aqueles dias.
A idéia do jantar foi de uma amiga do trabalho. Velas e rosas, queijos, vinhos, boa comida. Um vestido sexy. Perfume. “Essas coisas que a gente faz quando quer chamar atenção de um homem”, ela dizia. A atenção dele já não era a mesma há muito tempo. Mas dez anos…é muito tempo, ela pensava. Provavelmente ela também não dava a mesma atenção a ele. Não era justo olhar só para o próprio umbigo…não é?
Ela não sabia, mas o jantar ela podia fazer. Não custava.
Então ela chegou em casa cedo, para preparar tudo. Cenário, figurino, cardápio, tudo. Era excitante ter um plano, uma conquista. Tantas horas no carro, no banheiro, no computador, em frente a TV…era bom não querer saber o que ia acontecer na novela, ou se o projeto ia ficar pronto como o chefe pediu. Era bom não ter rotina. Naquela hora mágica em que temos um plano, tudo parece ser possível, tudo pode acontecer.
E aconteceu.
Quando ela abriu a porta, ouviu vozes. Risos. Sons abafados. Tinha um cheiro profundamente forte no ar. E champanhe sobre a pia da cozinha.
Tirou os sapatos para não fazer barulho. Sentia que o quer que fosse, não era algo bom. Então, precisava contar com o silêncio.
Foi andando devagar até a porta do quarto que achava ser seu. Quando abriu a porta, descobriu que não era. Era só dele. Dele e da vagabunda que se mexia em cima dele nos lençóis que ela lavara um dia antes.
Fez questão de bater a porta.
“Carmem?”
Sem dizer nada, ela foi em direção a cama, recolhendo com uma das mãos todas as roupas jogadas pelo caminho…
“Amor, eu posso explicar…”
…e com a outra mão, arrancou num único golpe a vagadunda nua de cima da cama, derrubando-a no chão…
“Carmem”
Sem perder um segundo sequer, Carmem arrastou a mulher pelos cabelos, usando toda a sua força de mulher aviltada, até a porta da rua. De algum lugar, parecia ouvir seu nome. Uma voz do passado talvez. Alguém que a seguia, nu como veio ao mundo. Alguém que para ela não existia mais…
Deu graças a Deus que a porta da casa ainda estava aberta. Assim podia jogar a vagabunda bem no meio do asfalto, e ainda trancar do lado de fora o idiota nu que a seguira.
Trancou também a porta dos fundos. As janelas já estavam fechadas. As roupas dos dois ainda estavam em suas mãos.
Colocou-as dentro do cesto de roupa suja, junto com todas as roupas dele. Derramou uma garrafa inteira de alcool dentro do cesto. E foi lá para o lado de fora, saindo pelos fundos. Colocou o cesto no meio da rua, abriu, riscou um fósforo. E só então falou:
“Não quero nada seu aqui dentro. Nenhum dos seus disfarces, das suas máscaras. Por mim, voce pode andar pelado pro resto da vida. Porque assim voce não vai enganar mais ninguém…”
De repente, luzes e sirenes. A policia foi avisada sobre um casal nu andando em volta de um cesto em chamas. Quando a patrulha chegou, eles já tinham se escondido em outro lugar.
Só Carmem ficara ali, sentada na calçada, descalça, desenxabida, olhando o fogo queimar dez anos da sua vida. Um sorriso masoquista iluminou seu rosto.
E nos olhos, só uma lágrima.
Pelo fim de uma mentira era mais que suficiente.
6 comentários:
Vixe, que lindo!
Maravilhoso conto. Atualíssimo! Parabéns amiga. Espero que esta Carmem esteja forte, muito forte para aguentar os trancos que a vida nos impõe, ou nós impomos a nós mesmos.
Beijos
Oi querida!
Obrigada pelo elogio. Tô meio na correria ainda, mas não poderia deixar de dar um pulinho aqui e deixar um beijo!!!!
Adoro seu blog!!!
;)
Gostei da atitude da Carmem. Uma união requer respeito mútuo. Agiu com coragem e determinação. Belo conto minha amiga. parabéns!
Beijos e ótimo final de semana pra ti e para os teus.
furtado.
Claudinha,
Linda postagem...Carmem, adorei!!!
Um grande beijo e boa semana!!
Reggina Moon
Claudinha, há Carmens por todo canto.
Quanto despertam, tornam-se a fúria, o sangue nas veias, a vingança, a justiça!
Final justo para quem acreditava no amor.
Ela venceu. Ainda bem.
Um abraço viu Claudinha?
Demorei mas vim apreciar essa veia literária tão magnífica e exuberante.
Um beijo em teu coração, um abraço.
Colei um de seus selinhos no Blog!Adoro!!!!
Beijocas...
P.S.Se me ajudasse a confeccionar um selinho ficaria mt agradecida...Bjos.
XD~
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